Uma plataforma que vai te ajudar a entender um pouco mais de economia.

Em artigo recente contra a reforma trabalhista, a economista Laura Carvalho, professora da FEA-USP, defende a tese de que, ao reduzir custos para todos, a reforma não traria benefício concreto para ninguém. Para ilustrar esse raciocínio, lança mão de uma metáfora futebolística: “Em um estádio de futebol, é só ficar de pé para enxergar melhor. Salvo quando todos resolvem levantar-se. Nesse caso, todos perdem visão e conforto”.

Em economês, uma situação em que cada um faz o que lhe parece melhor, pensando de modo individualista e levando em conta o que imagina que os outros planejam fazer, é conhecida como “equilíbrio de Nash”. No caso da reforma trabalhista, de fato, o melhor para a sociedade seria coordenar o jogo, e não jogar cada um por si. A dificuldade está em coordenar um time muito grande. Como a própria metáfora indica, em um grupo pequeno até dá, mas num estádio é dureza.

Levando a ideia adiante, a economista afirma: “Se uma família resolve consumir menos, sua poupança será maior. Mas, se todas as famílias tomam a mesma decisão, cai a demanda agregada e a própria renda nacional, fazendo com que a poupança total não aumente”.

Em círculos pós-keynesianos, é comum atribuir mazelas econômicas a uma suposta fragilidade da demanda. Na realidade, mais poupança leva a mais investimento via juro real. O país que mais cresceu no mundo nos últimos 20 anos, a China, foi também aquele que mais poupou. Adiar o consumo para o futuro não é necessariamente o melhor para a população chinesa, mas o simples fato já mostra que seria preciso parametrizar melhor a discussão.

Outra falácia da reforma estaria naquilo que a autora chama de “guerras fiscais”: “O Estado que consegue reduzir impostos pode até atrair mais empresas e acabar arrecadando mais, mas, se todos os Estados reduzem impostos, nenhum deles torna-se mais atrativo do que o outro e todos perdem arrecadação”.

O raciocínio estaria correto, não fosse o fato de que há outras dimensões envolvidas nessa concorrência: melhor nível educacional, por exemplo, ou bens públicos melhores, como maior segurança. Se o Rio de Janeiro baixasse ainda mais os impostos, mesmo assim seria difícil imaginar uma corrida das firmas para o estado.

Daí decorre o erro da tese geral: “Se uma mudança reduz o custo com a mão de obra de todos os empresários ao mesmo tempo, não é possível ganhar competitividade em relação aos concorrentes nacionais”.

Ora, é claro que, se os custos de produção são menores para todos, ninguém fica mais competitivo que o outro. Mas e daí? Economia não é corrida de cavalos. Se produzir fica mais barato, todos ganham. Mesmo quando há pouca competição, o incentivo ao empresário é repassar parte disso para os preços. Não que as empresas sejam boazinhas: elas simplesmente vendem mais fazendo isso.

No mundo da economia, quando distorções são retiradas, temos uma situação similar a de um vazamento que é consertado. A coisa melhora para todos.

Mas e o comércio internacional? O artigo sugere que os exportadores brasileiros só ganhariam competitividade diante de concorrentes estrangeiros que não tenham seguido a mesma estratégia (da reforma trabalhista), o que não representaria muita vantagem para o Brasil. Pois “sabemos que esse não é o caso em boa parte do mundo globalizado nas últimas décadas”.

Pondo de lado o fato de que a CLT, criada na década de 1940, não está exatamente em sintonia com o mundo atual, há dois erros aqui: o primeiro é de lógica e o segundo, de conteúdo.

Suponha que o mundo inteiro tenha seguido a “mesma estratégia” de reduzir custos. A tese apresentada sugere que não adianta nada fazer o mesmo. Errado! Se nada fizermos, perderemos competitividade em relação ao resto do mundo. Se fizermos, ficamos no empate, e empatar é melhor do que perder.

O segundo erro: isso de ganhar ou perder é o que menos importa - se tivéssemos um grande endividamento externo até importaria, em termos de vantagem nas exportações, mas não é o caso do Brasil. O que importa é produzir de modo mais eficiente, ponto final. É assim que um país se desenvolve.

Finalmente, a autora lança mão do chamado "paradoxo dos custos" de Kalecki: “Uma redução generalizada de salários em uma economia diminui também o mercado consumidor, reduzindo vendas e lucros”.

A escala do mercado consumidor é mesmo importante, mas seria o caso de perguntar: o que, na reforma trabalhista, levará a essa redução dos salários? A politização do debate dá a impressão de que existe uma batalha épica entre o capital (que é mau) e o trabalho (que é bom). A verdade é que os dois são “maus”, pois todos visam seus melhores interesses. Mas também não há nada de errado com isso, desde que as regras do jogo sejam seguidas à risca.

A ideia de que, com a maior liberdade de negociação oferecida pela reforma, o empresário, mais forte, vai impor um salário menor aos trabalhadores, mais fracos, pressupõe um patrão todo-poderoso - quando, na realidade, o poder de barganha do capital não é essa brastemp toda.

Sem trabalho, como as empresas vão produzir? Havendo concorrência pela mão-de-obra inter e intra setores, o salário de cada um fica sempre próximo ao tanto de retorno que ele traz para a firma - a não ser que haja conluio entre as empresas, ou que sejam muito poucas as firmas demandando mão-de-obra. No Brasil, haveria fortes evidências de "monopsônio", que é o nome feio dado a essa situação? Não cremos.

Uma reforma trabalhista que diminui as fricções do mercado de trabalho, tornando possível que empresários e trabalhadores assinem contratos mutuamente vantajosos, só pode melhorar a vida de todos. Com mais flexibilidade nas relações trabalhistas, o fluxo de “empregado" para “desempregado" certamente aumenta. Mas, também é verdade, cresce o fluxo desempregado-empregado, justamente porque o empregador sabe que, se contratar mal, pode demitir depois.

É verdade que os sindicatos não estão felizes com a reforma. Mas não é por causa do impacto sobre os trabalhadores. Estão insatisfeitos porque perderam a contribuição sindical obrigatória. Precisarão convencer as pessoas a doar um dia de renda por ano para financiá-los.

Persiste em alguns setores a ideia de que os sindicatos estão sempre alinhados com os interesses da classe trabalhadora: o que é bom pra um seria bom para a outra. Mas agora os próprios trabalhadores poderão confirmar ou recusar essa tese.

Quem ganha e quem perde com a reforma trabalhista?

Em artigo recente contra a reforma trabalhista, a economista Laura Carvalho, professora da FEA-USP, defende a tese de que, ao reduzir custos para todos, a reforma não traria benefício concreto para ninguém. Para ilustrar esse raciocínio, lança mão de uma metáfora futebolística: “Em um estádio de futebol, é só ficar de pé para enxergar melhor. Salvo quando todos resolvem levantar-se. Nesse caso, todos perdem visão e conforto”.

Em economês, uma situação em que cada um faz o que lhe parece melhor, pensando de modo individualista e levando em conta o que imagina que os outros planejam fazer, é conhecida como “equilíbrio de Nash”. No caso da reforma trabalhista, de fato, o melhor para a sociedade seria coordenar o jogo, e não jogar cada um por si. A dificuldade está em coordenar um time muito grande. Como a própria metáfora indica, em um grupo pequeno até dá, mas num estádio é dureza.

Levando a ideia adiante, a economista afirma: “Se uma família resolve consumir menos, sua poupança será maior. Mas, se todas as famílias tomam a mesma decisão, cai a demanda agregada e a própria renda nacional, fazendo com que a poupança total não aumente”.

Em círculos pós-keynesianos, é comum atribuir mazelas econômicas a uma suposta fragilidade da demanda. Na realidade, mais poupança leva a mais investimento via juro real. O país que mais cresceu no mundo nos últimos 20 anos, a China, foi também aquele que mais poupou. Adiar o consumo para o futuro não é necessariamente o melhor para a população chinesa, mas o simples fato já mostra que seria preciso parametrizar melhor a discussão.

Outra falácia da reforma estaria naquilo que a autora chama de “guerras fiscais”: “O Estado que consegue reduzir impostos pode até atrair mais empresas e acabar arrecadando mais, mas, se todos os Estados reduzem impostos, nenhum deles torna-se mais atrativo do que o outro e todos perdem arrecadação”.

O raciocínio estaria correto, não fosse o fato de que há outras dimensões envolvidas nessa concorrência: melhor nível educacional, por exemplo, ou bens públicos melhores, como maior segurança. Se o Rio de Janeiro baixasse ainda mais os impostos, mesmo assim seria difícil imaginar uma corrida das firmas para o estado.

Daí decorre o erro da tese geral: “Se uma mudança reduz o custo com a mão de obra de todos os empresários ao mesmo tempo, não é possível ganhar competitividade em relação aos concorrentes nacionais”.

Ora, é claro que, se os custos de produção são menores para todos, ninguém fica mais competitivo que o outro. Mas e daí? Economia não é corrida de cavalos. Se produzir fica mais barato, todos ganham. Mesmo quando há pouca competição, o incentivo ao empresário é repassar parte disso para os preços. Não que as empresas sejam boazinhas: elas simplesmente vendem mais fazendo isso.

No mundo da economia, quando distorções são retiradas, temos uma situação similar a de um vazamento que é consertado. A coisa melhora para todos.

Mas e o comércio internacional? O artigo sugere que os exportadores brasileiros só ganhariam competitividade diante de concorrentes estrangeiros que não tenham seguido a mesma estratégia (da reforma trabalhista), o que não representaria muita vantagem para o Brasil. Pois “sabemos que esse não é o caso em boa parte do mundo globalizado nas últimas décadas”.

Pondo de lado o fato de que a CLT, criada na década de 1940, não está exatamente em sintonia com o mundo atual, há dois erros aqui: o primeiro é de lógica e o segundo, de conteúdo.

Suponha que o mundo inteiro tenha seguido a “mesma estratégia” de reduzir custos. A tese apresentada sugere que não adianta nada fazer o mesmo. Errado! Se nada fizermos, perderemos competitividade em relação ao resto do mundo. Se fizermos, ficamos no empate, e empatar é melhor do que perder.

O segundo erro: isso de ganhar ou perder é o que menos importa - se tivéssemos um grande endividamento externo até importaria, em termos de vantagem nas exportações, mas não é o caso do Brasil. O que importa é produzir de modo mais eficiente, ponto final. É assim que um país se desenvolve.

Finalmente, a autora lança mão do chamado "paradoxo dos custos" de Kalecki: “Uma redução generalizada de salários em uma economia diminui também o mercado consumidor, reduzindo vendas e lucros”.

A escala do mercado consumidor é mesmo importante, mas seria o caso de perguntar: o que, na reforma trabalhista, levará a essa redução dos salários? A politização do debate dá a impressão de que existe uma batalha épica entre o capital (que é mau) e o trabalho (que é bom). A verdade é que os dois são “maus”, pois todos visam seus melhores interesses. Mas também não há nada de errado com isso, desde que as regras do jogo sejam seguidas à risca.

A ideia de que, com a maior liberdade de negociação oferecida pela reforma, o empresário, mais forte, vai impor um salário menor aos trabalhadores, mais fracos, pressupõe um patrão todo-poderoso - quando, na realidade, o poder de barganha do capital não é essa brastemp toda.

Sem trabalho, como as empresas vão produzir? Havendo concorrência pela mão-de-obra inter e intra setores, o salário de cada um fica sempre próximo ao tanto de retorno que ele traz para a firma - a não ser que haja conluio entre as empresas, ou que sejam muito poucas as firmas demandando mão-de-obra. No Brasil, haveria fortes evidências de "monopsônio", que é o nome feio dado a essa situação? Não cremos.

Uma reforma trabalhista que diminui as fricções do mercado de trabalho, tornando possível que empresários e trabalhadores assinem contratos mutuamente vantajosos, só pode melhorar a vida de todos. Com mais flexibilidade nas relações trabalhistas, o fluxo de “empregado" para “desempregado" certamente aumenta. Mas, também é verdade, cresce o fluxo desempregado-empregado, justamente porque o empregador sabe que, se contratar mal, pode demitir depois.

É verdade que os sindicatos não estão felizes com a reforma. Mas não é por causa do impacto sobre os trabalhadores. Estão insatisfeitos porque perderam a contribuição sindical obrigatória. Precisarão convencer as pessoas a doar um dia de renda por ano para financiá-los.

Persiste em alguns setores a ideia de que os sindicatos estão sempre alinhados com os interesses da classe trabalhadora: o que é bom pra um seria bom para a outra. Mas agora os próprios trabalhadores poderão confirmar ou recusar essa tese.
Para ficar por dentro do que rola no Por Quê?clique aqui e assine a nossa Newsletter.


Siga a gente no Facebook e Twitter!

Inscreva-se no nosso canal no YouTube!

Curta as nossas fotos no Instagram!

O que você achou desse texto?

*Não é necessário cadastro.

Avaliação de quem leu:

Avalie esse texto Não é necessário cadastro

A plataforma Por Quê?Economês em bom português nasceu em 2015, com o objetivo de explicar conceitos básicos de economia e tornar o noticiário econômico acessível ao público não especializado. Acreditamos que o raciocínio econômico é essencial para a compreensão da realidade que nos cerca.

Iniciativa

Bei editora
Usamos cookies por vários motivos, como manter o site do PQ? confiável ​​e seguro, personalizar conteúdo e anúncios,
fornecer recursos de mídia social e analisar como o site é usado. Para maiores informações veja nossa Política de Privacidade.