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Aquela olhadinha no teste do colega, o caderno esquecido no colo, as anotações no verso da calculadora... Quem nunca? O incentivo pró-cola é óbvio: uma nota boa sem consumir horas estudando. Mas por que então alguém prefere não colar?

A experiência do Instituto Tecnológico de Aeronáutica, o ITA, nos leva ao caminho desta resposta. Por lá, onde o vestibular é dos mais concorridos do Brasil, a tática para coibir a cola é aplicar provas sem fiscalização. Sob um código chamado Disciplina Consciente, passado aos estudantes desde o trote, alunos têm contato com conceitos de confiança mútua e protagonismo na promoção da ética.

Mas vale a pena colar nas provas?

O economista Gary Becker preparou uma fórmula que mede a utilidade de colar (U). De acordo com ele, a delinquência envolve benefícios (B) e custos (C) – sendo “custos” não só os da realização da atividade criminosa em si, mas também o custo de lidar com a expectativa de punições futuras e o custo da punição para valer, caso ocorra lá na frente.

Olha só a formulinha dele aí:

cola01

Nesse caso, se os prós (benefícios) forem superiores aos contras (custos), a utilidade da cola será positiva. Agora, se o custo pesar mais para o aluno, o incentivo à cola perde força.

Mas o resultado obtido por essa conta não representa toda a realidade. Becker só considera incentivos econômicos. Despreza incentivos morais e sociais, que, na prática, não podem ser ignorados – como mostram estudos do psicólogo Dan Ariely e exemplos do best-seller de Stephen J. Dubner e Steven Levitt, Freakonomics.

Somos seres racionais?

Ariely, em Previsivelmente irracional, mostra com experimentos sociais que nem sempre os indivíduos agem só de acordo com a racionalidade da economia tradicional. Em um deles, alunos que leram os 10 mandamentos bíblicos colavam menos, ainda que, se colasse, não houvesse como serem descobertos. Conclusão: a moralidade é “ativada” com a leitura, o que teria coibido a desonestidade inerente à cola.

No livro Freaknomics, outro exemplo: pesquisadores provam que as pessoas se tornaram mais honestas logo após o ataque de 11 de setembro às Torres Gêmeas.

Como adaptar a fórmula de Becker de modo que não seja estritamente econômica? Basta acrescentar mais um fator: a honra (H), formada, por sua vez, pelas variáveis nota (n) e desonestidade (d).

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Suponhamos que, na maioria das faculdades, a desonestidade do aluno não exista. O estudante apenas visaria uma nota boa, ele não cola por simplesmente ser desonesto. Isso aumentaria benefício (B) e honra (H), já que a nota (n) aumenta e a desonestidade não existe, o que aumenta a utilidade de colar (U):

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Como desestimular a cola entre os alunos?

Todo centro de ensino tenta reduzir a utilidade da cola. Normalmente, focam no custo (C): aumentam a chance de pegar o aluno colando, com mais fiscalização, e estipulam punição severa – de uma ligação aos pais até a expulsão. Se sobem os custos, diminui a utilidade de colar (U):

cola04

Mas o ITA, como dissemos no começo, consegue diminuir a utilidade da cola sem mexer no custo. Como?

Primeiro, o benefício da cola no ITA é semelhante ao de qualquer faculdade: nota alta.

Segundo, o custo esperado por lá é menor, afinal, não tem fiscalização (f).

Onde a diferença está, portanto? Na desonestidade (d).

Dados sugerem que os alunos do ITA têm uma visão extremamente negativa sobre corrupção. E isso seria fomentado pelo método da Disciplina Consciente.

A aplicação das provas não é fiscalizada. Baseados no tal código de conduta, alunos são incentivados a recriminar a desonestidade. E cabe a eles delatar eventuais colegas.

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Reparou? A honra (H) é afetada negativamente pela desonestidade (d) quando ela cresce.

Realizamos uma pesquisa rápida e bem pouco sofisticada. O levantamento permite visualizar a discrepância entre a incidência de cola no ITA e nas outras faculdades. Para isso, disponibilizamos um formulário na internet, compartilhando por redes sociais, com duas perguntas simples:

1) Você já colou ou passou cola no ensino médio?

2) Você já colou ou passou cola na faculdade?

Resultado: em um só dia, foram 1.230 respostas, vindas de alunos de 135 faculdades diferentes do Brasil. A tabela abaixo mostra algumas informações obtidas:

cola06

Temos aí indícios de que o ITA consegue reduzir drasticamente o número de colas. Isso serve, inclusive, para alunos com tendência à cola no ensino médio.

Essa redução supera de forma avassaladora a média das faculdades e também dos cursos de engenharia. Demonstra que essa característica não se reflete da mesma maneira em outras faculdades e não se deve ao curso, mas às instituições de ensino. Podemos dizer: na função honra (H) a variável desonestidade (d) tem um peso diferente, dependendo da instituição que os alunos frequentam.

O caso da cola serve de exemplo: por vezes, incentivos morais e sociais podem ser mais eficientes que incentivos ditos econômicos na promoção da ética nas instituições.

Por Aline Ng, Clara Helena Marins, Jaqueline Assunção, Jefferson Marques Vianna, Pedro Paulo Teixeira e Yasmin Dariam, alunos do Insper



 

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Quem não cola não sai da escola? Por quê?

Aquela olhadinha no teste do colega, o caderno esquecido no colo, as anotações no verso da calculadora... Quem nunca? O incentivo pró-cola é óbvio: uma nota boa sem consumir horas estudando. Mas por que então alguém prefere não colar? A experiência do Instituto Tecnológico de Aeronáutica, o ITA, nos leva ao caminho desta resposta. Por lá, onde o vestibular é dos mais concorridos do Brasil, a tática para coibir a cola é aplicar provas sem fiscalização. Sob um código chamado Disciplina Consciente, passado aos estudantes desde o trote, alunos têm contato com conceitos de confiança mútua e protagonismo na promoção da ética. Mas vale a pena colar nas provas? O economista Gary Becker preparou uma fórmula que mede a utilidade de colar (U). De acordo com ele, a delinquência envolve benefícios (B) e custos (C) – sendo “custos” não só os da realização da atividade criminosa em si, mas também o custo de lidar com a expectativa de punições futuras e o custo da punição para valer, caso ocorra lá na frente. Olha só a formulinha dele aí: cola01 Nesse caso, se os prós (benefícios) forem superiores aos contras (custos), a utilidade da cola será positiva. Agora, se o custo pesar mais para o aluno, o incentivo à cola perde força. Mas o resultado obtido por essa conta não representa toda a realidade. Becker só considera incentivos econômicos. Despreza incentivos morais e sociais, que, na prática, não podem ser ignorados – como mostram estudos do psicólogo Dan Ariely e exemplos do best-seller de Stephen J. Dubner e Steven Levitt, Freakonomics. Somos seres racionais? Ariely, em Previsivelmente irracional, mostra com experimentos sociais que nem sempre os indivíduos agem só de acordo com a racionalidade da economia tradicional. Em um deles, alunos que leram os 10 mandamentos bíblicos colavam menos, ainda que, se colasse, não houvesse como serem descobertos. Conclusão: a moralidade é “ativada” com a leitura, o que teria coibido a desonestidade inerente à cola. No livro Freaknomics, outro exemplo: pesquisadores provam que as pessoas se tornaram mais honestas logo após o ataque de 11 de setembro às Torres Gêmeas. Como adaptar a fórmula de Becker de modo que não seja estritamente econômica? Basta acrescentar mais um fator: a honra (H), formada, por sua vez, pelas variáveis nota (n) e desonestidade (d). cola02 Suponhamos que, na maioria das faculdades, a desonestidade do aluno não exista. O estudante apenas visaria uma nota boa, ele não cola por simplesmente ser desonesto. Isso aumentaria benefício (B) e honra (H), já que a nota (n) aumenta e a desonestidade não existe, o que aumenta a utilidade de colar (U): cola03 Como desestimular a cola entre os alunos? Todo centro de ensino tenta reduzir a utilidade da cola. Normalmente, focam no custo (C): aumentam a chance de pegar o aluno colando, com mais fiscalização, e estipulam punição severa – de uma ligação aos pais até a expulsão. Se sobem os custos, diminui a utilidade de colar (U): cola04 Mas o ITA, como dissemos no começo, consegue diminuir a utilidade da cola sem mexer no custo. Como? Primeiro, o benefício da cola no ITA é semelhante ao de qualquer faculdade: nota alta. Segundo, o custo esperado por lá é menor, afinal, não tem fiscalização (f). Onde a diferença está, portanto? Na desonestidade (d). Dados sugerem que os alunos do ITA têm uma visão extremamente negativa sobre corrupção. E isso seria fomentado pelo método da Disciplina Consciente. A aplicação das provas não é fiscalizada. Baseados no tal código de conduta, alunos são incentivados a recriminar a desonestidade. E cabe a eles delatar eventuais colegas. cola05 Reparou? A honra (H) é afetada negativamente pela desonestidade (d) quando ela cresce. Realizamos uma pesquisa rápida e bem pouco sofisticada. O levantamento permite visualizar a discrepância entre a incidência de cola no ITA e nas outras faculdades. Para isso, disponibilizamos um formulário na internet, compartilhando por redes sociais, com duas perguntas simples: 1) Você já colou ou passou cola no ensino médio? 2) Você já colou ou passou cola na faculdade? Resultado: em um só dia, foram 1.230 respostas, vindas de alunos de 135 faculdades diferentes do Brasil. A tabela abaixo mostra algumas informações obtidas: cola06 Temos aí indícios de que o ITA consegue reduzir drasticamente o número de colas. Isso serve, inclusive, para alunos com tendência à cola no ensino médio. Essa redução supera de forma avassaladora a média das faculdades e também dos cursos de engenharia. Demonstra que essa característica não se reflete da mesma maneira em outras faculdades e não se deve ao curso, mas às instituições de ensino. Podemos dizer: na função honra (H) a variável desonestidade (d) tem um peso diferente, dependendo da instituição que os alunos frequentam. O caso da cola serve de exemplo: por vezes, incentivos morais e sociais podem ser mais eficientes que incentivos ditos econômicos na promoção da ética nas instituições. Por Aline Ng, Clara Helena Marins, Jaqueline Assunção, Jefferson Marques Vianna, Pedro Paulo Teixeira e Yasmin Dariam, alunos do Insper   Para ficar por dentro do que rola no Por Quê?, clique aqui e assine a nossa Newsletter.
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