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O Brasil é um país castigado pela corrupção. Ela é praticada por nossos políticos (de todas as esferas), por nossos reguladores e empresários (como o caso da Carne Fraca e  Lava-Jato demonstraram), pelo nosso Judiciário e mesmo pelo nosso povo em termos gerais (a velha história do “jeitinho brasileiro”).

Além das implicações óbvias, como a má gestão dos recursos públicos com superfaturamentos e desvios, a corrupção também pode impactar o crescimento do país. Como?

Qualquer intervenção governamental na economia cria, necessariamente, uma estrutura burocrática responsável por administrar essa intervenção. Os burocratas detêm poder para intervir no domínio econômico e, portanto, gerar grandes ganhos ou perdas para as empresas, dependendo das suas decisões. Há, portanto, incentivo para que as pessoas se tornem burocratas e detenham esse poder – seja tal objetivo independente, seja articulado por algum grupo maior. E há um incentivo para as empresas “capturarem” esses burocratas para que eles facilitem – ilicitamente – seus negócios e permitam maiores ganhos.

Imagine um caso prático, o da Bruna, por exemplo. A Bruna é uma garota muito inteligente, acabou de se graduar em administração pública e agora está em dúvida entre dois caminhos: tentar se inscrever em um programa de mestrado ou prestar um concurso público para um cargo baixo numa agência reguladora do governo. O concurso é atraente, com um salário inicial decente e boa possibilidade de avançar na carreira. Ela sabe, no entanto, que se fizesse o mestrado poderia almejar um cargo ainda melhor na administração pública. Afinal, quanto maior seu conhecimento e capacitação, melhores suas oportunidades, certo?

Ela pensa e chega à seguinte conclusão: “Vou prestar o concurso agora; depois tiro uma licença e faço o mestrado; mais qualificada, posso progredir ainda mais na minha carreira”. Bruna consegue ser aprovada e começa a trabalhar. Conforme trabalha, acaba entrando em contato com diversos dirigentes públicos, como diretores de estatais, secretários do governo e legisladores, e também com empresários do ramo que sua agência reguladora é incumbida de... bom, regular.

Um dia, Bruna se pega pensando: "Se os cargos mais altos da agência reguladora envolvem indicações políticas, será que o mestrado é tão importante assim? Será que deveria focar em construir relacionamentos com políticos e empresários para ser indicada a um desses cargos?"

Essa dúvida ilustra um dos problemas da corrupção. O mestrado da Bruna representa aqui a acumulação de capital humano, algo que é importante para o desenvolvimento econômico de um país. Permite que novas ideias circulem e que o progresso tecnológico ocorra com mais intensidade, aumentando a produtividade da economia. Já a construção de relacionamentos e laços – a princípio lícitos, mas que podem eventualmente envolver atividades escusas – representa a acumulação de capital político.

Enquanto a acumulação de capital humano tem um claro resultado positivo para o desenvolvimento econômico, a acumulação de capital político não implica nenhum benefício para a sociedade de modo geral.

Imagine agora outra pessoa, o Júlio. Ele é empresário de uma cidade no mesmo estado onde Bruna mora. Júlio compete com outros empresários do seu ramo e, por isso, precisa sempre aprimorar seus produtos, satisfazer seus clientes e inovar. Mas Júlio também percebe um dia que tem uma decisão a tomar: ele pode adquirir um novo maquinário alemão que promete reduzir seus custos em 10%, aumentando a produtividade de sua fábrica; ou gastar esse mesmo dinheiro como suborno para Bruna, que trabalha em uma agência reguladora da região. O objetivo do suborno é alterar uma regra que pode beneficiar individualmente a fábrica do Júlio. Ou ele poderia tentar se juntar aos outros empresários do ramo caso o suborno beneficiasse o setor como um todo. Ele decide pela última hipótese.

Aqui temos um duplo problema: Júlio poderia investir em capital e tecnologia que cortaria custos e aumentaria a produtividade de sua fábrica, mas prefere investir na “captura” dos reguladores de sua atividade. Bruna poderia investir em capital humano, que aumentaria sua própria produtividade e faria um bem para toda a sociedade – afinal, o conhecimento é transmissível. Mas ambos decidem investir em outras atividades que não geram desenvolvimento econômico e não contribuem para a sociedade. Além disso, é claro, Bruna não toma suas decisões pensando no bem-estar social, mas em favorecer empresários como Júlio, tornando a burocracia mais ineficiente.

O economista Paolo Mauro, em artigo publicado 1995, apresentou evidências empíricas entre corrupção e desempenho econômico e seu trabalho é hoje referência para o tema. Ele descobriu uma relação negativa entre a corrupção – medida por um índice de eficiência burocrática – e variáveis como investimento e crescimento do PIB per capita.

Então, além do mau uso dos recursos públicos, a corrupção também afeta a economia, alterando os incentivos que trabalhadores e empresários têm para aumentar sua produtividade e inovar. O desenvolvimento do país seria muito maior se tivéssemos menos corrupção. Para isso, precisamos tornar a corrupção mais custosa – punindo melhor os empresários corruptores, os reguladores “capturados” e os políticos corruptos, nas urnas e nos tribunais.

*

Este texto foi baseado em Isaac Ehrlich e Francis Lui, “Bureaucratic Corruption and Endogenous Economic Growth”, Journal of Political Economy (1999) e em Paolo Mauro, “Corruption and Growth”, Quarterly Journal of Economics (1995)

Como a corrupção atrapalha a economia?

O Brasil é um país castigado pela corrupção. Ela é praticada por nossos políticos (de todas as esferas), por nossos reguladores e empresários (como o caso da Carne Fraca e  Lava-Jato demonstraram), pelo nosso Judiciário e mesmo pelo nosso povo em termos gerais (a velha história do “jeitinho brasileiro”). Além das implicações óbvias, como a má gestão dos recursos públicos com superfaturamentos e desvios, a corrupção também pode impactar o crescimento do país. Como? Qualquer intervenção governamental na economia cria, necessariamente, uma estrutura burocrática responsável por administrar essa intervenção. Os burocratas detêm poder para intervir no domínio econômico e, portanto, gerar grandes ganhos ou perdas para as empresas, dependendo das suas decisões. Há, portanto, incentivo para que as pessoas se tornem burocratas e detenham esse poder – seja tal objetivo independente, seja articulado por algum grupo maior. E há um incentivo para as empresas “capturarem” esses burocratas para que eles facilitem – ilicitamente – seus negócios e permitam maiores ganhos. Imagine um caso prático, o da Bruna, por exemplo. A Bruna é uma garota muito inteligente, acabou de se graduar em administração pública e agora está em dúvida entre dois caminhos: tentar se inscrever em um programa de mestrado ou prestar um concurso público para um cargo baixo numa agência reguladora do governo. O concurso é atraente, com um salário inicial decente e boa possibilidade de avançar na carreira. Ela sabe, no entanto, que se fizesse o mestrado poderia almejar um cargo ainda melhor na administração pública. Afinal, quanto maior seu conhecimento e capacitação, melhores suas oportunidades, certo? Ela pensa e chega à seguinte conclusão: “Vou prestar o concurso agora; depois tiro uma licença e faço o mestrado; mais qualificada, posso progredir ainda mais na minha carreira”. Bruna consegue ser aprovada e começa a trabalhar. Conforme trabalha, acaba entrando em contato com diversos dirigentes públicos, como diretores de estatais, secretários do governo e legisladores, e também com empresários do ramo que sua agência reguladora é incumbida de... bom, regular. Um dia, Bruna se pega pensando: "Se os cargos mais altos da agência reguladora envolvem indicações políticas, será que o mestrado é tão importante assim? Será que deveria focar em construir relacionamentos com políticos e empresários para ser indicada a um desses cargos?" Essa dúvida ilustra um dos problemas da corrupção. O mestrado da Bruna representa aqui a acumulação de capital humano, algo que é importante para o desenvolvimento econômico de um país. Permite que novas ideias circulem e que o progresso tecnológico ocorra com mais intensidade, aumentando a produtividade da economia. Já a construção de relacionamentos e laços – a princípio lícitos, mas que podem eventualmente envolver atividades escusas – representa a acumulação de capital político. Enquanto a acumulação de capital humano tem um claro resultado positivo para o desenvolvimento econômico, a acumulação de capital político não implica nenhum benefício para a sociedade de modo geral. Imagine agora outra pessoa, o Júlio. Ele é empresário de uma cidade no mesmo estado onde Bruna mora. Júlio compete com outros empresários do seu ramo e, por isso, precisa sempre aprimorar seus produtos, satisfazer seus clientes e inovar. Mas Júlio também percebe um dia que tem uma decisão a tomar: ele pode adquirir um novo maquinário alemão que promete reduzir seus custos em 10%, aumentando a produtividade de sua fábrica; ou gastar esse mesmo dinheiro como suborno para Bruna, que trabalha em uma agência reguladora da região. O objetivo do suborno é alterar uma regra que pode beneficiar individualmente a fábrica do Júlio. Ou ele poderia tentar se juntar aos outros empresários do ramo caso o suborno beneficiasse o setor como um todo. Ele decide pela última hipótese. Aqui temos um duplo problema: Júlio poderia investir em capital e tecnologia que cortaria custos e aumentaria a produtividade de sua fábrica, mas prefere investir na “captura” dos reguladores de sua atividade. Bruna poderia investir em capital humano, que aumentaria sua própria produtividade e faria um bem para toda a sociedade – afinal, o conhecimento é transmissível. Mas ambos decidem investir em outras atividades que não geram desenvolvimento econômico e não contribuem para a sociedade. Além disso, é claro, Bruna não toma suas decisões pensando no bem-estar social, mas em favorecer empresários como Júlio, tornando a burocracia mais ineficiente. O economista Paolo Mauro, em artigo publicado 1995, apresentou evidências empíricas entre corrupção e desempenho econômico e seu trabalho é hoje referência para o tema. Ele descobriu uma relação negativa entre a corrupção – medida por um índice de eficiência burocrática – e variáveis como investimento e crescimento do PIB per capita. Então, além do mau uso dos recursos públicos, a corrupção também afeta a economia, alterando os incentivos que trabalhadores e empresários têm para aumentar sua produtividade e inovar. O desenvolvimento do país seria muito maior se tivéssemos menos corrupção. Para isso, precisamos tornar a corrupção mais custosa – punindo melhor os empresários corruptores, os reguladores “capturados” e os políticos corruptos, nas urnas e nos tribunais. * Este texto foi baseado em Isaac Ehrlich e Francis Lui, “Bureaucratic Corruption and Endogenous Economic Growth”, Journal of Political Economy (1999) e em Paolo Mauro, “Corruption and Growth”, Quarterly Journal of Economics (1995)
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