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							Na semana passada, estive em Bucareste para falar sobre a resiliência do comercio global diante dos sucessivos choques adversos sofridos nos últimos anos. Me foi perguntado em que medida o andar da carruagem estaria revelando alguma tendência à “desglobalização”.

Conforme abordamos neste espaço em janeiro, a pandemia, a guerra na Ucrânia e as tensões entre a China e os Estados Unidos levaram países e empresas a revisitarem suas estratégias globais. Como resposta a tais choques, além de mandatos de compra local por governos nacionais, tem-se assistido à elevação de tarifas e outras restrições comerciais e ao investimento direto externo. Como consequência, teria a globalização começado a recuar?

Os choques associados à pandemia, trazendo severas rupturas nas cadeias produtivas globais, alimentaram a ideia de buscar aumentos na “resiliência perante choques”, ainda que só obtenível com custos. As cadeias globais ou regionais de valor floresceram por razões de eficiência e abandoná-las implica custos mais elevados.

Em muitos setores, as empresas podem optar por arcar com tais custos, acumulando estoques em pontos das cadeias e/ou duplicando trechos dessas cadeias em diferentes pontos geográficos. Por outro lado, os incentivos microeconômicos encarados pelas empresas estabelecem limites de custo-benefício a tal cálculo de renúncia à eficiência para aumento da resiliência a choques. Há que se considerar também que, sem a existência das cadeias no exterior, os efeitos de choques locais também são maximizados.

Contudo, em estudo feito com colegas do Policy Center for the New South e do Atlantic Council, para o grupo de think tanks que acompanha o G20, verificamos que os dados já mostram uma reversão dos choques da pandemia e o temor quanto à resiliência diante dos correspondentes choques já arrefece.

Razões de “segurança nacional” são, por seu turno, aquelas de maior alcance e influência. Riscos geopolíticos e rivalidade geoeconômica já se fazem presentes na implementação de “políticas industriais” em segmentos como semicondutores avançados, equipamentos médicos e militares, tecnologias de energia limpa e outros. O acesso a minerais críticos para o uso dessas tecnologias e para a transição energética também crescerá como objeto da geopolítica.

Estamos já assistindo a alguma “desglobalização” ou os fatores que estiveram subjacentes à globalização permanecem suficientemente fortes apesar dos choques? A resposta parece ser a de que o comércio global tem se mostrado “resiliente”, mas com algum “realinhamento”.

No final de outubro, o FMI divulgou um trabalho de pesquisa exibindo a elevada resiliência do comércio e da interconexão econômica entre os países, apesar dos choques, quando vista no agregado. O indicador mais comum usado para a globalização é a abertura comercial medida pela soma das exportações e importações dividida pelo PIB. O trabalho mostra não haver sinais de recuo estrutural nesse indicador, mas tão somente oscilações ocasionais causadas por fatores cíclicos e perturbações na cadeia de abastecimento global, como as vividas durante a pandemia. Desde então, contudo, assim como em nossos estudos (aqui e aqui), vê-se como o comércio internacional em percentual do PIB se recuperou com força, apesar dos receios de fragmentação geoeconômica discriminatória e do protecionismo em curso.

O Banco de Compensações Internacionais (BIS em inglês), por sua vez, também trouxe em outubro resultados relevantes em termos de um “realinhamento de cadeias globais de valor”. As cadeias existem como intrincadas redes de relações entre empresas, tanto através de países como de setores. Usando informações sobre fornecedores e clientes das empresas para mapear toda a rede de interconexões, o trabalho comparou em detalhe dois momentos: dezembro de 2021 e setembro de 2023.

Os dados mais recentes sobre redes em nível das empresas revelam que as cadeias de valor globais se alongaram, embora sem uma consequente densificação da rede, o que pode indicar que as relações com os fornecedores estão sendo diversificadas.

O alongamento das cadeias de abastecimento é especialmente significativo para as ligações fornecedor-cliente da China com os Estados Unidos, onde empresas de outras jurisdições, particularmente da Ásia, se interpuseram em cadeias de abastecimento. Esse é um aspecto a ser realçado: como resposta às restrições – inclusive potenciais – a produtos chineses na China, elos adicionais estão aparecendo entre as duas economias.

As conexões diretas entre a China e os EUA diminuíram, dando lugar a ligações através de outras economias asiáticas. O percentual de empresas chinesas que são fornecedores diretos de clientes dos EUA diminuiu. Contudo, quando as ligações indiretas são levadas em conta, a mudança parece mais modesta, sugerindo a hipótese da “interposição”.

A evidência de que as cadeias de abastecimento China-EUA foram redirecionadas através de outras economias do Pacífico asiático é particularmente impressionante nos segmentos da tecnologia de informação, em que a proporção de ligações entre países é uma das mais altas. Acreditamos ser esse também um dos fatores explicativos de que, apesar das restrições nos Estados Unidos à energia solar da China, esta continua sendo a principal origem das importações norte-americanas de placas solares, via cadeias de valor alongadas...

Como conclusão de minha resposta em Bucareste, observei não haver sinais de inversão na tendência longa de maior integração comercial global das últimas décadas, especialmente na Ásia. Com realinhamento parcial, contudo, refletindo o lado mais durável dos choques mais recentes. Provavelmente com algum maior custo na margem, no caso de realinhamento para fins de contorno a choques de natureza geopolítica.


Otaviano Canuto foi vice-presidente e diretor executivo no Banco Mundial, diretor executivo no FMI e vice-presidente no BID. Também foi secretário de assuntos internacionais no Ministério da Fazenda e professor da USP e da Unicamp. Atualmente é membro sênior do Policy Center for the New South, membro sênior não-residente da Brookings Institution, professor na Elliott School of International Affairs da George Washington University e professor afiliado na Universidade Mohammed VI. Fez mestrado na Concordia University em Montreal e doutorado na Unicamp, ambos em economia.

COLUNA PUBLICADA NA FOLHA DE S.PAULO 

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A resiliência com realinhamento do comércio global

Na semana passada, estive em Bucareste para falar sobre a resiliência do comercio global diante dos sucessivos choques adversos sofridos nos últimos anos. Me foi perguntado em que medida o andar da carruagem estaria revelando alguma tendência à “desglobalização”.

Conforme abordamos neste espaço em janeiro, a pandemia, a guerra na Ucrânia e as tensões entre a China e os Estados Unidos levaram países e empresas a revisitarem suas estratégias globais. Como resposta a tais choques, além de mandatos de compra local por governos nacionais, tem-se assistido à elevação de tarifas e outras restrições comerciais e ao investimento direto externo. Como consequência, teria a globalização começado a recuar?

Os choques associados à pandemia, trazendo severas rupturas nas cadeias produtivas globais, alimentaram a ideia de buscar aumentos na “resiliência perante choques”, ainda que só obtenível com custos. As cadeias globais ou regionais de valor floresceram por razões de eficiência e abandoná-las implica custos mais elevados.

Em muitos setores, as empresas podem optar por arcar com tais custos, acumulando estoques em pontos das cadeias e/ou duplicando trechos dessas cadeias em diferentes pontos geográficos. Por outro lado, os incentivos microeconômicos encarados pelas empresas estabelecem limites de custo-benefício a tal cálculo de renúncia à eficiência para aumento da resiliência a choques. Há que se considerar também que, sem a existência das cadeias no exterior, os efeitos de choques locais também são maximizados.

Contudo, em estudo feito com colegas do Policy Center for the New South e do Atlantic Council, para o grupo de think tanks que acompanha o G20, verificamos que os dados já mostram uma reversão dos choques da pandemia e o temor quanto à resiliência diante dos correspondentes choques já arrefece.

Razões de “segurança nacional” são, por seu turno, aquelas de maior alcance e influência. Riscos geopolíticos e rivalidade geoeconômica já se fazem presentes na implementação de “políticas industriais” em segmentos como semicondutores avançados, equipamentos médicos e militares, tecnologias de energia limpa e outros. O acesso a minerais críticos para o uso dessas tecnologias e para a transição energética também crescerá como objeto da geopolítica.

Estamos já assistindo a alguma “desglobalização” ou os fatores que estiveram subjacentes à globalização permanecem suficientemente fortes apesar dos choques? A resposta parece ser a de que o comércio global tem se mostrado “resiliente”, mas com algum “realinhamento”.

No final de outubro, o FMI divulgou um trabalho de pesquisa exibindo a elevada resiliência do comércio e da interconexão econômica entre os países, apesar dos choques, quando vista no agregado. O indicador mais comum usado para a globalização é a abertura comercial medida pela soma das exportações e importações dividida pelo PIB. O trabalho mostra não haver sinais de recuo estrutural nesse indicador, mas tão somente oscilações ocasionais causadas por fatores cíclicos e perturbações na cadeia de abastecimento global, como as vividas durante a pandemia. Desde então, contudo, assim como em nossos estudos (aqui e aqui), vê-se como o comércio internacional em percentual do PIB se recuperou com força, apesar dos receios de fragmentação geoeconômica discriminatória e do protecionismo em curso.

O Banco de Compensações Internacionais (BIS em inglês), por sua vez, também trouxe em outubro resultados relevantes em termos de um “realinhamento de cadeias globais de valor”. As cadeias existem como intrincadas redes de relações entre empresas, tanto através de países como de setores. Usando informações sobre fornecedores e clientes das empresas para mapear toda a rede de interconexões, o trabalho comparou em detalhe dois momentos: dezembro de 2021 e setembro de 2023.

Os dados mais recentes sobre redes em nível das empresas revelam que as cadeias de valor globais se alongaram, embora sem uma consequente densificação da rede, o que pode indicar que as relações com os fornecedores estão sendo diversificadas.

O alongamento das cadeias de abastecimento é especialmente significativo para as ligações fornecedor-cliente da China com os Estados Unidos, onde empresas de outras jurisdições, particularmente da Ásia, se interpuseram em cadeias de abastecimento. Esse é um aspecto a ser realçado: como resposta às restrições – inclusive potenciais – a produtos chineses na China, elos adicionais estão aparecendo entre as duas economias.

As conexões diretas entre a China e os EUA diminuíram, dando lugar a ligações através de outras economias asiáticas. O percentual de empresas chinesas que são fornecedores diretos de clientes dos EUA diminuiu. Contudo, quando as ligações indiretas são levadas em conta, a mudança parece mais modesta, sugerindo a hipótese da “interposição”.

A evidência de que as cadeias de abastecimento China-EUA foram redirecionadas através de outras economias do Pacífico asiático é particularmente impressionante nos segmentos da tecnologia de informação, em que a proporção de ligações entre países é uma das mais altas. Acreditamos ser esse também um dos fatores explicativos de que, apesar das restrições nos Estados Unidos à energia solar da China, esta continua sendo a principal origem das importações norte-americanas de placas solares, via cadeias de valor alongadas...

Como conclusão de minha resposta em Bucareste, observei não haver sinais de inversão na tendência longa de maior integração comercial global das últimas décadas, especialmente na Ásia. Com realinhamento parcial, contudo, refletindo o lado mais durável dos choques mais recentes. Provavelmente com algum maior custo na margem, no caso de realinhamento para fins de contorno a choques de natureza geopolítica.


Otaviano Canuto foi vice-presidente e diretor executivo no Banco Mundial, diretor executivo no FMI e vice-presidente no BID. Também foi secretário de assuntos internacionais no Ministério da Fazenda e professor da USP e da Unicamp. Atualmente é membro sênior do Policy Center for the New South, membro sênior não-residente da Brookings Institution, professor na Elliott School of International Affairs da George Washington University e professor afiliado na Universidade Mohammed VI. Fez mestrado na Concordia University em Montreal e doutorado na Unicamp, ambos em economia.

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