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Em um texto recente do Por Quê?, explicamos o que são externalidades negativas, a ideia de que para muitos bens temos custos sociais (e não privados), mas tendemos a fazer nossas escolhas com base no cálculo privado (isto é, sem levar esses custos sociais em conta).

Essa noção é muito importante no estudo da economia ambiental. A existência de externalidades negativas explica desde coisas pequenas como o motivo pelo qual as pessoas escolhem consumir produtos que geram dano ambiental (como carne) até o porquê de termos uma emergência climática atualmente.

Vamos imaginar que temos um lago com peixes. A cada ano, a população de peixes desse lago aumenta. Porém, João, um homem que mora perto do lago, decide começar a pescar todo dia e cozinhar os peixes para alimentar sua família. Até aí, tudo bem. Mas, de repente, João pode pensar que além de consumir o peixe, ele pode também vendê-lo no mercado, obtendo algum lucro. Como a população de peixes continua crescendo todo ano, isso não é nenhum problema, já que o que João consome não é o suficiente para gerar desequilíbrio no ecossistema.

Mas e se todo mundo da cidade de João começar a pescar nesse lago? E se todo mundo de seu estado decidir fazer isso também? E se o Brasil inteiro decidir que quer pescar esses peixes do mesmo lago que o João? O que vai acontecer?

Podemos imaginar que, a cada ano, mais peixes serão pescados do que nascerão, até que, por fim, não sobrará nenhum no lago. Quando isso acontecer, João e todos os outros pescadores que estavam aproveitando o lago vão sair prejudicados. Isso porque quando cada um deles estava decidindo quanto pescar por dia, não estava levando em conta o custo social da pesca (isto é, o fato de que se muita gente pescar a população do lago vai desaparecer e não vai sobrar peixes para ninguém). Só estavam pensando no custo privado, como despesas com equipamentos, o tempo gasto no lago etc.

Esse problema é conhecido como Tragédia dos Comuns, e é um jeito didático de explicar o que pode acontecer com recursos naturais renováveis quando não temos controle sobre quem tem acesso a eles (quem pode pescar no lago?), não temos direitos de propriedade bem definidos (de quem são os peixes do lago?) e a monitoração é complexa (quem vai fiscalizar a ação dos pescadores no lago?).

Se um economista tentar responder por que temos uma situação de emergência climática agora, a resposta é essa. Como as pessoas e empresas agem fazendo escolhas sem internalizar as externalidades negativas que produtos e serviços geram para o meio ambiente no longo prazo, acabamos caindo numa “tragédia dos comuns” global. Como geralmente não levamos em conta a depredação ambiental associada a nossas escolhas, vamos aos poucos destruindo ecossistemas responsáveis pela regulação da temperatura na Terra. E essa situação vai trazer consequências catastróficas para todos.

Outra expansão desse problema teórico aparece em comércio internacional – e serve para explicar por que enquanto alguns países parecem concentrar indústrias mais poluentes, outros parecem ter mais facilidade em fazer a transição para uma economia “verde”. Em artigo publicado no Journal of Economic Literatura, Brian Copeland e M. Scott Taylor afirmam que algumas nações estão fadadas a cair na situação da “tragédia dos comuns” com seus recursos naturais quando se abrem para o comércio com outras. Alguns países têm vantagens comparativas para a produção/extração de determinados bens (isto é, vão ser muito bons em sediar indústrias poluentes e/ou indústrias baseadas na extração intensas de recursos, porque são lenientes com a legislação de proteção ambiental). Já outros vão usar da troca comercial com esses países (e, portanto, da possibilidade de terem acesso aos bens e serviços que vêm dessas indústrias) para se especializar em tecnologias limpas e agricultura de baixo carbono, e assim continuar preservando seus ativos ambientais.

Vale notar que a tragédia dos comuns aparece também várias vezes no nosso dia a dia. Um exemplo clássico é o que ocorreu durante a pandemia de covid-19: todos nos lembramos da correria para supermercados por álcool-gel, máscaras, papel higiênico etc. no começo da pandemia, nos primeiros meses de 2020. Muitos inclusive tinham a intenção de estocar esses produtos em casa, com medo de que fossem ficar escassos nos próximos dias. O aumento rápido da demanda resultou em significativo acréscimos nos preços, e de fato os produtos começaram a faltar nas prateleiras.

Resultado: muita gente com menor poder aquisitivo, ou que chegou mais tarde, ficou sem. Mas a falta de acesso a esses produtos é ruim para a saúde de todos (inclusive para a daqueles que os conseguiram), porque aumentou o risco de contaminação de toda sociedade.

Existem várias soluções para contornar o problema da tragédia dos comuns. No nosso exemplo inicial do lago, o governo poderia emitir licenças para pesca, corrigindo essa falha do mercado. Ou ainda poderia colocar um imposto sobre a pesca, de forma a incorporar o custo social no custo privado, e, assim, os pescadores seriam forçados a levar a externalidade em conta na hora de decidir quantos peixes pescar. Talvez fosse ainda mais fácil que os próprios pescadores pudessem chegar a um acordo sobre quantos peixes cada um poderia pescar por dia. Esse foi uma das soluções usadas pelos comerciantes, ao colocar “cotas” sobre quanto álcool-gel seus clientes podiam comprar de cada vez.

Vamos trazer em mais detalhes em próximos textos do Por Quê? explicações sobre todas as soluções para externalidades negativas. Essas tentativas de evitar a tragédia dos comuns nos ajudam a entender vários movimentos importantes da atualidade (como o mercado de crédito de carbono, que ganhou bastante evidência nas últimas semanas com a COP26). Nessas soluções está a chave para entender também como países podem “escapar” da tragédia dos comuns quando participam do comércio internacional com outros países.

Luiza Martins Karpavicius
Economista formada pela FEA/USP. Trabalha na área de economia do meio ambiente e dos recursos naturais. É mestre pela Universidade de Copenhague e doutoranda na Universidade de Aarhus, na Dinamarca.

COLUNA PUBLICADA NA FOLHA DE SÃO PAULO

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A tragédia dos comuns explica aquecimento global, Comércio Internacional e algumas consequências da pandemia de Covid-19

Em um texto recente do Por Quê?, explicamos o que são externalidades negativas, a ideia de que para muitos bens temos custos sociais (e não privados), mas tendemos a fazer nossas escolhas com base no cálculo privado (isto é, sem levar esses custos sociais em conta).

Essa noção é muito importante no estudo da economia ambiental. A existência de externalidades negativas explica desde coisas pequenas como o motivo pelo qual as pessoas escolhem consumir produtos que geram dano ambiental (como carne) até o porquê de termos uma emergência climática atualmente.

Vamos imaginar que temos um lago com peixes. A cada ano, a população de peixes desse lago aumenta. Porém, João, um homem que mora perto do lago, decide começar a pescar todo dia e cozinhar os peixes para alimentar sua família. Até aí, tudo bem. Mas, de repente, João pode pensar que além de consumir o peixe, ele pode também vendê-lo no mercado, obtendo algum lucro. Como a população de peixes continua crescendo todo ano, isso não é nenhum problema, já que o que João consome não é o suficiente para gerar desequilíbrio no ecossistema.

Mas e se todo mundo da cidade de João começar a pescar nesse lago? E se todo mundo de seu estado decidir fazer isso também? E se o Brasil inteiro decidir que quer pescar esses peixes do mesmo lago que o João? O que vai acontecer?

Podemos imaginar que, a cada ano, mais peixes serão pescados do que nascerão, até que, por fim, não sobrará nenhum no lago. Quando isso acontecer, João e todos os outros pescadores que estavam aproveitando o lago vão sair prejudicados. Isso porque quando cada um deles estava decidindo quanto pescar por dia, não estava levando em conta o custo social da pesca (isto é, o fato de que se muita gente pescar a população do lago vai desaparecer e não vai sobrar peixes para ninguém). Só estavam pensando no custo privado, como despesas com equipamentos, o tempo gasto no lago etc.

Esse problema é conhecido como Tragédia dos Comuns, e é um jeito didático de explicar o que pode acontecer com recursos naturais renováveis quando não temos controle sobre quem tem acesso a eles (quem pode pescar no lago?), não temos direitos de propriedade bem definidos (de quem são os peixes do lago?) e a monitoração é complexa (quem vai fiscalizar a ação dos pescadores no lago?).

Se um economista tentar responder por que temos uma situação de emergência climática agora, a resposta é essa. Como as pessoas e empresas agem fazendo escolhas sem internalizar as externalidades negativas que produtos e serviços geram para o meio ambiente no longo prazo, acabamos caindo numa “tragédia dos comuns” global. Como geralmente não levamos em conta a depredação ambiental associada a nossas escolhas, vamos aos poucos destruindo ecossistemas responsáveis pela regulação da temperatura na Terra. E essa situação vai trazer consequências catastróficas para todos.

Outra expansão desse problema teórico aparece em comércio internacional – e serve para explicar por que enquanto alguns países parecem concentrar indústrias mais poluentes, outros parecem ter mais facilidade em fazer a transição para uma economia “verde”. Em artigo publicado no Journal of Economic Literatura, Brian Copeland e M. Scott Taylor afirmam que algumas nações estão fadadas a cair na situação da “tragédia dos comuns” com seus recursos naturais quando se abrem para o comércio com outras. Alguns países têm vantagens comparativas para a produção/extração de determinados bens (isto é, vão ser muito bons em sediar indústrias poluentes e/ou indústrias baseadas na extração intensas de recursos, porque são lenientes com a legislação de proteção ambiental). Já outros vão usar da troca comercial com esses países (e, portanto, da possibilidade de terem acesso aos bens e serviços que vêm dessas indústrias) para se especializar em tecnologias limpas e agricultura de baixo carbono, e assim continuar preservando seus ativos ambientais.

Vale notar que a tragédia dos comuns aparece também várias vezes no nosso dia a dia. Um exemplo clássico é o que ocorreu durante a pandemia de covid-19: todos nos lembramos da correria para supermercados por álcool-gel, máscaras, papel higiênico etc. no começo da pandemia, nos primeiros meses de 2020. Muitos inclusive tinham a intenção de estocar esses produtos em casa, com medo de que fossem ficar escassos nos próximos dias. O aumento rápido da demanda resultou em significativo acréscimos nos preços, e de fato os produtos começaram a faltar nas prateleiras.

Resultado: muita gente com menor poder aquisitivo, ou que chegou mais tarde, ficou sem. Mas a falta de acesso a esses produtos é ruim para a saúde de todos (inclusive para a daqueles que os conseguiram), porque aumentou o risco de contaminação de toda sociedade.

Existem várias soluções para contornar o problema da tragédia dos comuns. No nosso exemplo inicial do lago, o governo poderia emitir licenças para pesca, corrigindo essa falha do mercado. Ou ainda poderia colocar um imposto sobre a pesca, de forma a incorporar o custo social no custo privado, e, assim, os pescadores seriam forçados a levar a externalidade em conta na hora de decidir quantos peixes pescar. Talvez fosse ainda mais fácil que os próprios pescadores pudessem chegar a um acordo sobre quantos peixes cada um poderia pescar por dia. Esse foi uma das soluções usadas pelos comerciantes, ao colocar “cotas” sobre quanto álcool-gel seus clientes podiam comprar de cada vez.

Vamos trazer em mais detalhes em próximos textos do Por Quê? explicações sobre todas as soluções para externalidades negativas. Essas tentativas de evitar a tragédia dos comuns nos ajudam a entender vários movimentos importantes da atualidade (como o mercado de crédito de carbono, que ganhou bastante evidência nas últimas semanas com a COP26). Nessas soluções está a chave para entender também como países podem “escapar” da tragédia dos comuns quando participam do comércio internacional com outros países.

Luiza Martins Karpavicius
Economista formada pela FEA/USP. Trabalha na área de economia do meio ambiente e dos recursos naturais. É mestre pela Universidade de Copenhague e doutoranda na Universidade de Aarhus, na Dinamarca.

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