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							A história foi assim: abandonamos (fomos forçados a abandonar?) o sistema de taxas de câmbio semifixas em 1999, após uma sequência de crises internacionais, e para a vaca não ir para o brejo, foi necessário colocar imediatamente um arcabouço novo e crível no lugar, de modo a impedir uma acelerada inflacionária ao estilo do período pré-Plano Real. Foi então que chamaram o Armínio Fraga, que trouxe para o Brasil o sistema de metas de inflação. Junto com um ajuste fiscal imperfeito (mas feito), mantivemos os preços sob controle. Pode-se assim dizer sem muita controvérsia que a adoção das metas de inflação foi um sucesso. E ganhou um pilar a mais com a recente independência formal do Banco Central.

E no que consiste esse arranjo? Em uma obrigação formal por parte da autoridade monetária de manter a inflação dentro de um certo intervalo pré-especificado, e de dar ao público pagante transparência para os processos e decisões visando ao alcance da tal meta. Produzindo relatórios, mantendo comunicação direta com a sociedade, explicando decisões sobre mudanças nos juros, visitando o Congresso, produzindo estudos analíticos etc. Por que essa parafernália toda? Para dar mais credibilidade à autoridade monetária e aumentar seu comprometimento com os objetivos traçados. Faz sentido? Sim, porque isso torna a própria tarefa de manter a inflação baixa e estável menos penosa para a sociedade. O sistema de metas é desenhado para ancorar as expectativas de inflação. E essa ancoragem, quando alcançada, torna mais fácil a tarefa de entregar a inflação final na meta, ou perto.

Dito isso, qual a inflação ideal? Qual deveria ser a meta?

O primeiro ponto que precisa ser esclarecido aqui é o seguinte: metas mais altas não ajudam a economia a magicamente crescer mais. Pode de fato trazer algum impulso no curto prazo, mas é sempre um voo de galinha, do tipo mais curto. O pobre leitor já deve ter lido isso mais de uma vez, mas aqui vai de novo: não existe trade-off entre inflação e crescimento de longo prazo. O argumento ingênuo é o de que, aumentando-se a meta, o Banco Central não precisa ser tão durão na hora de subir o juro. Não é assim. Quando a meta é elevada, a inflação esperada não fica sentada quietinha. Ela sobe também. E aí o Banco Central precisa subir o juro do mesmo montante. Ou até mais, caso a mudança seja entendida como: “Na hora do aperto, essa turma eleva a meta de inflação, então o que os impedirá de elevar de novo no futuro?”. Se esse questionamento finca pé, e há aí uma boa chance, a coisa desanda. Portanto, melhor não mexer nesse vespeiro agora.

O problema é essencialmente de credibilidade. Estivesse o governo planejando um forte ajuste fiscal, dando sinais claros de que o Banco Central não sofrerá a mais mínima pressão do Executivo, que a agenda de reformas irá adiante etc., poderíamos até entrar no debate sobre o 4% ou 3%. Mas, num momento em que vivemos o oposto disso, seria um tiro de calibre pesado no próprio pé. A clara ausência de vontade política na arena fiscal e a percepção dos mercados de que o verdadeiro ministro da Economia é o presidente Lula já estão levando a altas nas expectativas de inflação e nos prêmios de risco. Hora de reforçar a independência do BC e de aceitar a meta de 3%.

O debate acadêmico sobre a meta ideal é válido. Há razões discutidas na literatura, por exemplo, para preferir-se 4% a 2% como meta. Os 4% tornam menos provável que uma economia chegue ao limite inferior de 0% de taxa de juro que tanto complicou a vida em alguns países ricos em momentos de crise; além disso, adicionam um pouquinho mais de óleo na engrenagem na hora de um choque adverso, dado que variáveis nominais são dificílimas de serem ajustadas e a inflação pode ajudar a fazer esse serviço de forma menos traumática. Nas circunstâncias atuais da conjuntura brasileira, no entanto, nem sequer se trata dos controversos 2%, e não corremos o risco do chegar ao limite mínimo de juro nominal de 0%. Em termos práticos, melhor mesmo nesse momento é aderir ao ditado de que “o ótimo pode ser inimigo do muito bom”, deixar de lado esse debate e focar na área fiscal.

COLUNA PUBLICADA NA FOLHA DE S.PAULO 

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Política monetária e meta de inflação

A história foi assim: abandonamos (fomos forçados a abandonar?) o sistema de taxas de câmbio semifixas em 1999, após uma sequência de crises internacionais, e para a vaca não ir para o brejo, foi necessário colocar imediatamente um arcabouço novo e crível no lugar, de modo a impedir uma acelerada inflacionária ao estilo do período pré-Plano Real. Foi então que chamaram o Armínio Fraga, que trouxe para o Brasil o sistema de metas de inflação. Junto com um ajuste fiscal imperfeito (mas feito), mantivemos os preços sob controle. Pode-se assim dizer sem muita controvérsia que a adoção das metas de inflação foi um sucesso. E ganhou um pilar a mais com a recente independência formal do Banco Central.

E no que consiste esse arranjo? Em uma obrigação formal por parte da autoridade monetária de manter a inflação dentro de um certo intervalo pré-especificado, e de dar ao público pagante transparência para os processos e decisões visando ao alcance da tal meta. Produzindo relatórios, mantendo comunicação direta com a sociedade, explicando decisões sobre mudanças nos juros, visitando o Congresso, produzindo estudos analíticos etc. Por que essa parafernália toda? Para dar mais credibilidade à autoridade monetária e aumentar seu comprometimento com os objetivos traçados. Faz sentido? Sim, porque isso torna a própria tarefa de manter a inflação baixa e estável menos penosa para a sociedade. O sistema de metas é desenhado para ancorar as expectativas de inflação. E essa ancoragem, quando alcançada, torna mais fácil a tarefa de entregar a inflação final na meta, ou perto.

Dito isso, qual a inflação ideal? Qual deveria ser a meta?

O primeiro ponto que precisa ser esclarecido aqui é o seguinte: metas mais altas não ajudam a economia a magicamente crescer mais. Pode de fato trazer algum impulso no curto prazo, mas é sempre um voo de galinha, do tipo mais curto. O pobre leitor já deve ter lido isso mais de uma vez, mas aqui vai de novo: não existe trade-off entre inflação e crescimento de longo prazo. O argumento ingênuo é o de que, aumentando-se a meta, o Banco Central não precisa ser tão durão na hora de subir o juro. Não é assim. Quando a meta é elevada, a inflação esperada não fica sentada quietinha. Ela sobe também. E aí o Banco Central precisa subir o juro do mesmo montante. Ou até mais, caso a mudança seja entendida como: “Na hora do aperto, essa turma eleva a meta de inflação, então o que os impedirá de elevar de novo no futuro?”. Se esse questionamento finca pé, e há aí uma boa chance, a coisa desanda. Portanto, melhor não mexer nesse vespeiro agora.

O problema é essencialmente de credibilidade. Estivesse o governo planejando um forte ajuste fiscal, dando sinais claros de que o Banco Central não sofrerá a mais mínima pressão do Executivo, que a agenda de reformas irá adiante etc., poderíamos até entrar no debate sobre o 4% ou 3%. Mas, num momento em que vivemos o oposto disso, seria um tiro de calibre pesado no próprio pé. A clara ausência de vontade política na arena fiscal e a percepção dos mercados de que o verdadeiro ministro da Economia é o presidente Lula já estão levando a altas nas expectativas de inflação e nos prêmios de risco. Hora de reforçar a independência do BC e de aceitar a meta de 3%.

O debate acadêmico sobre a meta ideal é válido. Há razões discutidas na literatura, por exemplo, para preferir-se 4% a 2% como meta. Os 4% tornam menos provável que uma economia chegue ao limite inferior de 0% de taxa de juro que tanto complicou a vida em alguns países ricos em momentos de crise; além disso, adicionam um pouquinho mais de óleo na engrenagem na hora de um choque adverso, dado que variáveis nominais são dificílimas de serem ajustadas e a inflação pode ajudar a fazer esse serviço de forma menos traumática. Nas circunstâncias atuais da conjuntura brasileira, no entanto, nem sequer se trata dos controversos 2%, e não corremos o risco do chegar ao limite mínimo de juro nominal de 0%. Em termos práticos, melhor mesmo nesse momento é aderir ao ditado de que “o ótimo pode ser inimigo do muito bom”, deixar de lado esse debate e focar na área fiscal.

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