Por Equipe do Por quê? em 17 de fevereiro de 2016 Tempo médio de leitura: 16 minutos e 3 segundos
Está no ar nossa websérie, que carrega o nome deste projeto: Por quê? Economês em bom português (assista logo abaixo). Nesta estreia, explicamos a questão da Previdência Social no Brasil e a necessidade, urgente, de uma reforma do sistema de pagamento de aposentadorias e pensões. A repercussão tem sido grande e levantado uma série de dúvidas de internautas.
O certo é: há muita desinformação sobre economia entre os brasileiros e, em particular, sobre este assunto.
A Previdência Social é um dos principais desafios da economia brasileira para as próximas décadas. Há problemas sérios no desenho de nosso sistema de repasse de aposentadorias e pensões. Ele precisa ser ajustado diante das mudanças demográficas (transformações da população brasileira) que já estão ocorrendo e que se acentuarão nos próximos anos.
Neste texto, explicaremos como funciona a Previdência no Brasil; quais são esses desafios colocados pela demografia; e qual a importância da tal "reforma da Previdência", que toma mais e mais conta dos noticiários e desperta tantas dúvidas.
Antes disso tudo, um esclarecimento: toda vez que se aborda o assunto, há quem diga que se está colocando a culpa do problema nos aposentados.
Não é nada disso.
Em hipótese alguma a intenção aqui é demonizar os idosos. Quem tanto trabalhou e contribuiu ao longo da vida tem mesmo todo o direito à aposentadoria.
Repetimos: a responsabilidade pelos problemas do sistema previdenciário do Brasil não pode ser jogada nas costas dos idosos.
O ponto é: a demografia do Brasil mudou, os brasileiros estão tendo menos filhos e vivendo por mais tempo – o que não é ruim, mas coloca a nossa Previdência Social em xeque. É principalmente por isso que o modelo adotado no país precisa ser adaptado. O mais preocupante não são os gastos da Previdência hoje, mas, sim, sua trajetória ao longo dos próximos anos.
Precisamos desarmar os ânimos, esquecer as ideias preconcebidas e falar sobre o assunto urgentemente. Vamos lá?
Como funciona a Previdência no Brasil?
No Brasil, o sistema previdenciário é do tipo repartição. Em outras palavras, o governo taxa os trabalhadores em idade ativa hoje (a chamada contribuição previdenciária) e usa esse dinheiro para pagar as aposentadorias neste mesmo período.
Ou seja, quem trabalha e paga impostos hoje para a manutenção da Previdência contribui para os repasses de quem já está aposentado ou é pensionista – e não para a própria a aposentadoria.
Se há muitos trabalhadores para poucos aposentados, o sistema de repartição funciona muito bem. Você precisa cobrar pouco imposto de cada trabalhador e, como há muita gente pessoas contribuindo, a arrecadação do governo será grande e poderá facilmente pagar os poucos aposentados.
O problema desse modelo é quando diminui o número de trabalhadores em relação ao de aposentados. Daí você tem que cobrar cada vez mais impostos das pessoas em idade ativa, com o objetivo de arrecadar a grana suficiente para pagar as aposentadorias. E é nisso que a demografia brasileira está mexendo.
Como mudanças demográficas afetam a previdência?
A taxa de fecundidade no Brasil está caindo, ou seja, as mulheres estão tendo cada vez menos filhos. Logo, as famílias estão ficando menores e a taxa de crescimento populacional está caindo.
E como isso afeta a Previdência? Quando uma população cresce rapidamente, há mais jovens que idosos dentro dela, certo? Se, por exemplo, cada casal tiver 4 filhos, em média, então haverá duas vezes mais crianças que adultos. E, da mesma forma, haverá bem mais pessoas em idade ativa (trabalhadores) que aposentados.
O sistema previdenciário de repartição, vigente no Brasil, depende de uma taxa de crescimento populacional elevada para funcionar bem. Mas estamos assistindo a uma redução nesse indicador, já que as mulheres têm cada vez menos filhos. Isso faz com que o número de trabalhadores pagadores de impostos, em relação à quantidade de aposentados, diminua no decorrer do tempo.
Portanto, se nenhuma reforma sair do papel, será necessário taxar cada vez mais os trabalhadores para conseguir pagar aposentados e pensionistas. Caso contrário, a conta não vai fechar.
Por que elevar a idade mínima exigida para aposentadoria?
Outra mudança demográfica importante: as pessoas estão vivendo mais. Os avanços tecnológicos na ciência – e, em particular, na medicina – permitem que os brasileiros tenham vidas mais longas e mais saudáveis.
E, até aí, só notícia boa. Mas esse cenário tem efeito colateral importante sobre nossa Previdência.
Por quê? Porque, se as pessoas estão vivendo mais, a fração de aposentados na população aumenta.
Consequentemente, o governo terá mais aposentados para os quais terá de repassar dinheiro. Assim, caso os benefícios previdenciários sejam mantidos sob o modelo atual, será necessário taxar cada vez mais as pessoas que não estão aposentadas.
Só que o sistema brasileiro tem outra complicação: o Brasil é um dos raros países em que as pessoas podem se aposentar por tempo de contribuição. Não há idade mínima para aposentar por aqui, ao contrário de quase todas as outras economias.
Qual o problema disso?
Se as pessoas se aposentam aos 55 anos e a expectativa de vida é de 65 anos, serão pagos, em média, benefícios previdenciários para cada pessoa por 10 anos. Desse modo, se a expectativa de vida passa a ser de 75 anos e a idade mínima de aposentadoria segue sem alterações, a média de anos em que os benefícios são pagos passa a ser de 20 anos.
Mais uma vez, para conseguir pagar aposentadorias e pensões, caso nenhuma reforma seja feita, será preciso cobrar mais e mais impostos dos contribuintes que não estão aposentados.
Como desarmar a “bomba da Previdência”?
1) Reforma 1 - Idade mínima:
As mudanças demográficas tendem a se consolidar nos próximos anos aqui no Brasil. Significa que a população brasileira irá envelhecer rapidamente. Hoje, 9 trabalhadores pagam impostos usados para o governo pagar cada aposentadoria; em 20 anos, esse número cairá para 4 trabalhadores por aposentado – indicam as projeções mais recentes. Em outras palavras, um pouco mais técnicas, isso quer dizer a chamada base de tributação tende a diminuir. E, ao mesmo tempo, os gastos com a Previdência aumentarão fortemente – a menos que algum ajuste seja feito. Estamos, portanto, numa encruzilhada: se não houver reforma da Previdência, impostos terão de subir continuamente para acomodar os gastos crescentes. Se não for dessa forma, o governo terá de imprimir dinheiro a taxas cada vez mais altas para cobrir o rombo causado em suas contas, o que levará o país a uma hiperinflação – sim, preços absurdos e agravamento da pobreza. Nesse sentido, é fundamental que seja definida uma idade mínima para a aposentadoria. E essa nova idade mínima não pode ser fixa, precisa ser ajustável: caso a expectativa de vida suba, a idade mínima deve subir junto. Uma regra bem clara ligando essas duas variáveis tem de fazer parte da reforma. 2) Reforma 2 - Salário mínimo:
A recuperação do poder de compra do salário mínimo nas últimas décadas foi importante demais. Melhorou o padrão de vida da população mais pobre e reduziu a desigualdade. Já que o piso das aposentadorias é dado pelo salário mínimo, isso ajudou, significativamente, muitos aposentados a ganharem valores mais altos – ainda que essas quantias não sejam nada animadoras para boa parte dos beneficiários. Hoje, sendo assim, a pobreza é relativamente menor entre os aposentados – ela pobreza é bem maior entre as crianças brasileiras. Aumentos no salário mínimo, dessa forma, não ajudam tanto na redução da pobreza no caso dos idosos. Hoje, os aumentos no salário mínimo contribuem para agravar o problema fiscal da Previdência brasileira. Por quê? Porque, quando o salário mínimo sobe, o valor recebido por muita gente (das pessoas que ganham o mínimo ou próximo dele) sobe junto. E os gastos do governo com aposentadorias crescem. Isso pode inclusive trazer dificuldades para o governo conceder aumentos no salário mínimo no futuro – já que essas elevações agravariam ainda mais o lado fiscal. Dessa forma, outra medida fundamental é separar (“desindexar”, em economês) os aumentos dos benefícios previdenciários dos aumentos no salário mínimo. Mas atenção: é importante, por outro lado, garantir que não haja perda real de renda para os aposentados. Para evitar esse problema, as aposentadorias passariam a ser corrigidas pela inflação, para que o poder de compra não diminua ao longo dos anos. Polêmica na internet: existe ou não o déficit da Previdência? Muita gente escreve e diz por aí que a Previdência brasileira não é deficitária coisa nenhuma. Que, na verdade, o governo estaria usando o dinheiro da Previdência para outras coisas. Esses pontos, na visão de alguns, mostram a falta de necessidade de se fazer uma reforma. Mas precisamos pensar nas contas públicas como um todo, não só na conta da Previdência. Fato: o governo brasileiro gasta hoje mais do que arrecada. A dívida está crescendo, tornando-se mais arriscada e, como consequência, estamos pagando juros cada vez mais elevados. A situação não parece ser nada sustentável. Com o avanço nos gastos da Previdência nos próximos anos – como resultado da mudança demográfica citada mais acima –, as coisas tendem a piorar. Se uma reforma não for realizada para conter a trajetória desse aumento de gastos, ou teremos que aumentar impostos continuamente; ou precisaremos cortar continuamente gastos públicos em outras áreas. Ou, ainda mais grave, o Brasil vai precisar imprimir dinheiro para pagar essa conta – o que, como discutido antes, nos levaria a uma hiperinflação de consequências desastrosas. Repare só: não foi mencionada aqui a existência de déficit ou superávit na Previdência. Na verdade, essa é uma discussão conceitual, não importa muito na prática. Importa, sim, quanto o governo da vez gastando e arrecada, num todo. E o avanço dos gastos com a Previdência (se uma reforma não for realizada) fará com que a nossa situação fiscal fique ainda pior do que está. Por que não basta cortar superaposentadorias? Há vários casos de aposentadorias muito elevadas na Previdência brasileira. Talvez os mais gritantes, e famosos, sejam as pensões vitalícias concedidas a esposas e filhas solteiras de funcionários públicos, principalmente militares e juízes. Quem não conhece o caso da atriz Maitê Proença? Ela recebe uma pensão mensal do governo, de 13 mil reais, por ser filha solteira de um procurador de Justiça. O caso não é isolado. Reportagem da revista Época, de 2013, mostrava gasto anual da ordem de 4 bilhões de reais em pensões de filhas solteiras de funcionários públicos no Brasil. Muitas dessas mulheres são acusadas de deixar de casar no papel para manter os benefícios intactos. Esses privilégios precisam acabar? Sim. Mas só isso não vai resolver o problema? Não. A redução desses benefícios traria uma folga fiscal, mas a mudança demográfica não desapareceria. O fator continuaria pressionando para cima a trajetória de gastos com Previdência. Ou seja, ainda que sejam eliminadas superaposentadorias e superpensões (o que seria ótimo!), teríamos ainda que botar para andar uma reforma que limite o crescimento de gastos como consequência das mudanças demográficas. Tem ainda quem argumente que o problema da Previdência está nos desvios de verbas e na corrupção. Não temos dados para afirmar que há ou não corrupção na Previdência Social – mas, sim, não dá para duvidar de nada, não parece impossível ser verdade que crimes do tipo aconteçam. Caso ilegalidades sejam descobertas, que sejam combatidas. Agora, só isso não vai resolver o problema. Na prática, é claro, reduziria o nível de gastos em Previdência. Mas não barraria o crescimento desses gastos ao longo dos anos.
As mudanças demográficas tendem a se consolidar nos próximos anos aqui no Brasil. Significa que a população brasileira irá envelhecer rapidamente. Hoje, 9 trabalhadores pagam impostos usados para o governo pagar cada aposentadoria; em 20 anos, esse número cairá para 4 trabalhadores por aposentado – indicam as projeções mais recentes. Em outras palavras, um pouco mais técnicas, isso quer dizer a chamada base de tributação tende a diminuir. E, ao mesmo tempo, os gastos com a Previdência aumentarão fortemente – a menos que algum ajuste seja feito. Estamos, portanto, numa encruzilhada: se não houver reforma da Previdência, impostos terão de subir continuamente para acomodar os gastos crescentes. Se não for dessa forma, o governo terá de imprimir dinheiro a taxas cada vez mais altas para cobrir o rombo causado em suas contas, o que levará o país a uma hiperinflação – sim, preços absurdos e agravamento da pobreza. Nesse sentido, é fundamental que seja definida uma idade mínima para a aposentadoria. E essa nova idade mínima não pode ser fixa, precisa ser ajustável: caso a expectativa de vida suba, a idade mínima deve subir junto. Uma regra bem clara ligando essas duas variáveis tem de fazer parte da reforma. 2) Reforma 2 - Salário mínimo:
A recuperação do poder de compra do salário mínimo nas últimas décadas foi importante demais. Melhorou o padrão de vida da população mais pobre e reduziu a desigualdade. Já que o piso das aposentadorias é dado pelo salário mínimo, isso ajudou, significativamente, muitos aposentados a ganharem valores mais altos – ainda que essas quantias não sejam nada animadoras para boa parte dos beneficiários. Hoje, sendo assim, a pobreza é relativamente menor entre os aposentados – ela pobreza é bem maior entre as crianças brasileiras. Aumentos no salário mínimo, dessa forma, não ajudam tanto na redução da pobreza no caso dos idosos. Hoje, os aumentos no salário mínimo contribuem para agravar o problema fiscal da Previdência brasileira. Por quê? Porque, quando o salário mínimo sobe, o valor recebido por muita gente (das pessoas que ganham o mínimo ou próximo dele) sobe junto. E os gastos do governo com aposentadorias crescem. Isso pode inclusive trazer dificuldades para o governo conceder aumentos no salário mínimo no futuro – já que essas elevações agravariam ainda mais o lado fiscal. Dessa forma, outra medida fundamental é separar (“desindexar”, em economês) os aumentos dos benefícios previdenciários dos aumentos no salário mínimo. Mas atenção: é importante, por outro lado, garantir que não haja perda real de renda para os aposentados. Para evitar esse problema, as aposentadorias passariam a ser corrigidas pela inflação, para que o poder de compra não diminua ao longo dos anos. Polêmica na internet: existe ou não o déficit da Previdência? Muita gente escreve e diz por aí que a Previdência brasileira não é deficitária coisa nenhuma. Que, na verdade, o governo estaria usando o dinheiro da Previdência para outras coisas. Esses pontos, na visão de alguns, mostram a falta de necessidade de se fazer uma reforma. Mas precisamos pensar nas contas públicas como um todo, não só na conta da Previdência. Fato: o governo brasileiro gasta hoje mais do que arrecada. A dívida está crescendo, tornando-se mais arriscada e, como consequência, estamos pagando juros cada vez mais elevados. A situação não parece ser nada sustentável. Com o avanço nos gastos da Previdência nos próximos anos – como resultado da mudança demográfica citada mais acima –, as coisas tendem a piorar. Se uma reforma não for realizada para conter a trajetória desse aumento de gastos, ou teremos que aumentar impostos continuamente; ou precisaremos cortar continuamente gastos públicos em outras áreas. Ou, ainda mais grave, o Brasil vai precisar imprimir dinheiro para pagar essa conta – o que, como discutido antes, nos levaria a uma hiperinflação de consequências desastrosas. Repare só: não foi mencionada aqui a existência de déficit ou superávit na Previdência. Na verdade, essa é uma discussão conceitual, não importa muito na prática. Importa, sim, quanto o governo da vez gastando e arrecada, num todo. E o avanço dos gastos com a Previdência (se uma reforma não for realizada) fará com que a nossa situação fiscal fique ainda pior do que está. Por que não basta cortar superaposentadorias? Há vários casos de aposentadorias muito elevadas na Previdência brasileira. Talvez os mais gritantes, e famosos, sejam as pensões vitalícias concedidas a esposas e filhas solteiras de funcionários públicos, principalmente militares e juízes. Quem não conhece o caso da atriz Maitê Proença? Ela recebe uma pensão mensal do governo, de 13 mil reais, por ser filha solteira de um procurador de Justiça. O caso não é isolado. Reportagem da revista Época, de 2013, mostrava gasto anual da ordem de 4 bilhões de reais em pensões de filhas solteiras de funcionários públicos no Brasil. Muitas dessas mulheres são acusadas de deixar de casar no papel para manter os benefícios intactos. Esses privilégios precisam acabar? Sim. Mas só isso não vai resolver o problema? Não. A redução desses benefícios traria uma folga fiscal, mas a mudança demográfica não desapareceria. O fator continuaria pressionando para cima a trajetória de gastos com Previdência. Ou seja, ainda que sejam eliminadas superaposentadorias e superpensões (o que seria ótimo!), teríamos ainda que botar para andar uma reforma que limite o crescimento de gastos como consequência das mudanças demográficas. Tem ainda quem argumente que o problema da Previdência está nos desvios de verbas e na corrupção. Não temos dados para afirmar que há ou não corrupção na Previdência Social – mas, sim, não dá para duvidar de nada, não parece impossível ser verdade que crimes do tipo aconteçam. Caso ilegalidades sejam descobertas, que sejam combatidas. Agora, só isso não vai resolver o problema. Na prática, é claro, reduziria o nível de gastos em Previdência. Mas não barraria o crescimento desses gastos ao longo dos anos.
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