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														O relatório “Perspectivas Econômicas Mundiais” do FMI, divulgado nesta terça (19), traz uma revisão para pior no cenário para 2022: crescimento econômico mais baixo e inflação mais alta, em comparação com as projeções de janeiro – aqui abordadas em fevereiro.

Como havia dito a diretora-geral do órgão Kristalina Georgieva na quinta-feira (14), a guerra na Ucrânia representou um “revés substancial” para a recuperação econômica global.

A recuperação econômica global pós-pandemia já vinha desacelerando quando a invasão russa na Ucrânia disparou novos choques de preços de commodities, ocasionando ao mesmo tempo nova onda de restrições em cadeias de suprimento.

A política de covid zero na China, por sua vez, também trouxe choques de oferta e de suprimentos.

A revisão para baixo na taxa global de crescimento projetada pelo FMI no relatório desta terça (19) foi de quase 1%, com impacto negativo maior na Europa do que nos Estados Unidos.

O desempenho previsto para o conjunto de economias emergentes e em desenvolvimento (EMDE) também sofreu rebaixamento, de mais de um ponto percentual. Nesse caso, porém, com heterogeneidade muito maior.

Do repique inflacionário, por outro lado, ninguém escapa, e ele traz consigo pressão por alta nas taxas de juros.

Os EMDE enfrentam um conjunto de choques externos em comum: elevação de preços de energia e alimentos; aperto nas condições financeiras globais causado pela perspectiva de o Federal Reserve Bank dos Estados Unidos (Fed) aumentar juros mais acentuadamente e antecipar o “aperto quantitativo”; e retorno de restrições à mobilidade na China, por conta da política de covid zero, levando a queda no crescimento e enfraquecendo um dos principais motores de crescimento para os EMDE. O estímulo fiscal na China aponta para a direção oposta, mas há dúvidas sobre a sustentabilidade dessa política.

Contudo, os impactos dos choques em comum estão sendo heterogêneos. Cabe distinguir quatro subgrupos entre os EMDE.

Primeiro, claro, a Ucrânia sofrendo a destruição da guerra, a Rússia sob sanções e as demais economias da região com elas integradas. Além de inflação mais alta, a Rússia passará por recessão pior que as da crise de 1998 e aquela durante a crise financeira global em 2008, ainda que, paradoxalmente, com o superávit em conta corrente mais alto dos últimos 20 anos.

Os exportadores de commodities estão se beneficiando em termos de troca mais favoráveis. Ainda que isso não seja suficiente para protegê-los inteiramente, receitas públicas fortalecidas dão margem de manobra fiscal para medidas de suavização da alta de preços domésticos de energia.

Saldos em conta corrente maiores também amortecerão o efeito do aperto nas condições financeiras globais. Países que estão mais avançados no ciclo de aperto monetário, como o Brasil, estão se beneficiando da apreciação de suas moedas.

Na sexta-feira (15), o FMI já havia chamado atenção para a inflação mais alta em 15 anos – como resultado da pandemia e da guerra na Ucrânia – nas economias maiores da América Latina: Brasil, Chile, Colômbia, México e Peru. O peso dos preços de importações e de commodities na inflação latino-americana é maior do que o das economias avançadas. A projeção de crescimento para a economia brasileira este ano pelo FMI melhorou levemente.

Já os importadores de commodities, para os quais pesam as exportações de manufaturados, estão sofrendo tanto o impacto dos preços mais altos de energia e alimentos quanto a desaceleração no crescimento global. Crescimento mais lento, inflação maior, contas públicas deterioradas e saldos em conta corrente mais baixos estão previstos.

O quarto subgrupo é o das economias em desenvolvimento às voltas com o endividamento herdado da pandemia. Dívidas mais altas e condições financeiras globais menos favoráveis já estão dificultando a rolagem do serviço de dívida externa e o financiamento de déficits em conta corrente. Aqui, deve aumentar o volume do atual chamado às instituições multilaterais – Banco Mundial e FMI – para considerarem a possibilidade de processos de reestruturação de dívidas com credores externos.

O dilema encarado por banqueiros centrais entre aceitar inflação ou desacelerar demanda teve seus termos piorados pelos choques disparados pela guerra. Em março, a inflação nos Estados Unidos atingiu 8,5%, seu patamar anualizado mais alto nos últimos 40 anos. As projeções sobre de quanto será o aumento de taxas de juros básicos pelo Fed no restante deste ano variam hoje de 2,5% a 3,5%.

Um relatório também liberado pelo FMI – sobre a “estabilidade financeira global” – aborda outro dilema: aceitar inflação ou riscos de instabilidade financeira decorrentes de subidas abruptas em taxas de juros. Detalhe importante: os dois dilemas têm interseção. No caso dos Estados Unidos, muitos analistas consideram estar o Fed atrasado em sua rota de ajuste de juros.

Caso se veja obrigado a subidas mais abruptas e acentuadas adiante, os solavancos sobre estruturas corporativas privadas com alta alavancagem serão substanciais. A mesma coisa para economias emergentes e em desenvolvimento dependentes de financiamento externo.


Otaviano Canuto é membro sênior do Policy Center for the New South, membro sênior não-residente do Brookings Institute, professor na Elliott School of International Affairs da George Washington University e principal do Center for Macroeconomics and Development em Washington. Foi vice-presidente e diretor executivo no Banco Mundial, diretor executivo no FMI e vice-presidente no BID. Também foi secretário de assuntos internacionais no Ministério da Fazenda e professor da USP e da Unicamp.


COLUNA PUBLICADA NA FOLHA DE S.PAULO 

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Economias emergentes, inflação e desaceleração global

O relatório “Perspectivas Econômicas Mundiais” do FMI, divulgado nesta terça (19), traz uma revisão para pior no cenário para 2022: crescimento econômico mais baixo e inflação mais alta, em comparação com as projeções de janeiro – aqui abordadas em fevereiro.

Como havia dito a diretora-geral do órgão Kristalina Georgieva na quinta-feira (14), a guerra na Ucrânia representou um “revés substancial” para a recuperação econômica global.

A recuperação econômica global pós-pandemia já vinha desacelerando quando a invasão russa na Ucrânia disparou novos choques de preços de commodities, ocasionando ao mesmo tempo nova onda de restrições em cadeias de suprimento.

A política de covid zero na China, por sua vez, também trouxe choques de oferta e de suprimentos.

A revisão para baixo na taxa global de crescimento projetada pelo FMI no relatório desta terça (19) foi de quase 1%, com impacto negativo maior na Europa do que nos Estados Unidos.

O desempenho previsto para o conjunto de economias emergentes e em desenvolvimento (EMDE) também sofreu rebaixamento, de mais de um ponto percentual. Nesse caso, porém, com heterogeneidade muito maior.

Do repique inflacionário, por outro lado, ninguém escapa, e ele traz consigo pressão por alta nas taxas de juros.

Os EMDE enfrentam um conjunto de choques externos em comum: elevação de preços de energia e alimentos; aperto nas condições financeiras globais causado pela perspectiva de o Federal Reserve Bank dos Estados Unidos (Fed) aumentar juros mais acentuadamente e antecipar o “aperto quantitativo”; e retorno de restrições à mobilidade na China, por conta da política de covid zero, levando a queda no crescimento e enfraquecendo um dos principais motores de crescimento para os EMDE. O estímulo fiscal na China aponta para a direção oposta, mas há dúvidas sobre a sustentabilidade dessa política.

Contudo, os impactos dos choques em comum estão sendo heterogêneos. Cabe distinguir quatro subgrupos entre os EMDE.

Primeiro, claro, a Ucrânia sofrendo a destruição da guerra, a Rússia sob sanções e as demais economias da região com elas integradas. Além de inflação mais alta, a Rússia passará por recessão pior que as da crise de 1998 e aquela durante a crise financeira global em 2008, ainda que, paradoxalmente, com o superávit em conta corrente mais alto dos últimos 20 anos.

Os exportadores de commodities estão se beneficiando em termos de troca mais favoráveis. Ainda que isso não seja suficiente para protegê-los inteiramente, receitas públicas fortalecidas dão margem de manobra fiscal para medidas de suavização da alta de preços domésticos de energia.

Saldos em conta corrente maiores também amortecerão o efeito do aperto nas condições financeiras globais. Países que estão mais avançados no ciclo de aperto monetário, como o Brasil, estão se beneficiando da apreciação de suas moedas.

Na sexta-feira (15), o FMI já havia chamado atenção para a inflação mais alta em 15 anos – como resultado da pandemia e da guerra na Ucrânia – nas economias maiores da América Latina: Brasil, Chile, Colômbia, México e Peru. O peso dos preços de importações e de commodities na inflação latino-americana é maior do que o das economias avançadas. A projeção de crescimento para a economia brasileira este ano pelo FMI melhorou levemente.

Já os importadores de commodities, para os quais pesam as exportações de manufaturados, estão sofrendo tanto o impacto dos preços mais altos de energia e alimentos quanto a desaceleração no crescimento global. Crescimento mais lento, inflação maior, contas públicas deterioradas e saldos em conta corrente mais baixos estão previstos.

O quarto subgrupo é o das economias em desenvolvimento às voltas com o endividamento herdado da pandemia. Dívidas mais altas e condições financeiras globais menos favoráveis já estão dificultando a rolagem do serviço de dívida externa e o financiamento de déficits em conta corrente. Aqui, deve aumentar o volume do atual chamado às instituições multilaterais – Banco Mundial e FMI – para considerarem a possibilidade de processos de reestruturação de dívidas com credores externos.

O dilema encarado por banqueiros centrais entre aceitar inflação ou desacelerar demanda teve seus termos piorados pelos choques disparados pela guerra. Em março, a inflação nos Estados Unidos atingiu 8,5%, seu patamar anualizado mais alto nos últimos 40 anos. As projeções sobre de quanto será o aumento de taxas de juros básicos pelo Fed no restante deste ano variam hoje de 2,5% a 3,5%.

Um relatório também liberado pelo FMI – sobre a “estabilidade financeira global” – aborda outro dilema: aceitar inflação ou riscos de instabilidade financeira decorrentes de subidas abruptas em taxas de juros. Detalhe importante: os dois dilemas têm interseção. No caso dos Estados Unidos, muitos analistas consideram estar o Fed atrasado em sua rota de ajuste de juros.

Caso se veja obrigado a subidas mais abruptas e acentuadas adiante, os solavancos sobre estruturas corporativas privadas com alta alavancagem serão substanciais. A mesma coisa para economias emergentes e em desenvolvimento dependentes de financiamento externo.


Otaviano Canuto é membro sênior do Policy Center for the New South, membro sênior não-residente do Brookings Institute, professor na Elliott School of International Affairs da George Washington University e principal do Center for Macroeconomics and Development em Washington. Foi vice-presidente e diretor executivo no Banco Mundial, diretor executivo no FMI e vice-presidente no BID. Também foi secretário de assuntos internacionais no Ministério da Fazenda e professor da USP e da Unicamp.


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