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														Dada a urgente crise climática mundial, verifica-se um aumento do engajamento do setor privado com as estratégias para alcance de Carbono Neutro e Net Zero alinhados com as metas do Acordo de Paris.

Por que é importante o engajamento do setor privado? Segundo o Fórum Econômico Mundial, 50% das emissões globais de dióxido de carbono estão concentradas em 8 cadeias de suprimento: alimentação, construção, moda, bens de consumo (os chamados fast moving, de venda rápida e custo relativamente baixo, como bebidas e alguns produtos de conveniência), eletrônicos, indústria automotiva, serviços profissionais (basicamente consultorias e auditorias, que geram grande pegada de carbono por causa das constantes viagens de deslocamento) e transporte de carga. Portanto, a primeira parte da resposta sobre a importância do engajamento do setor privado tem a ver com sua responsabilidade. O setor privado é responsável por uma parcela significativa do problema.

Em paralelo, pesquisas da GlobeScan mostram que empresas que demoram a agir em relação à crise climática estão mais expostas a riscos socioambientais, reputacionais e financeiros. Por outro lado, as empresas podem direcionar esforços para reverter a crise climática e transformar riscos em oportunidades. Em 2018, 225 das maiores empresas do mundo reportaram a existência de mais de US$ 2 trilhões de oportunidades relacionadas ao clima para bens e serviços de baixo carbono. No ano passado, somente as empresas europeias identificaram US$ 1,4 trilhão de oportunidades — seis vezes mais que o custo para realizá-las. Com os Estados Unidos incentivando a economia verde para ser a maior do mundo, as oportunidades por lá devem ser ainda maiores.

Mas o que significa Carbono Neutro e Net Zero? Antes de definir esses termos é importante relembrar que as fontes de emissões de Gases do Efeito Estufa (GEE) são classificadas em 3 diferentes escopos. Emissões do escopo 1 são geradas diretamente pelas operações da própria empresa. Por exemplo, pela queima de combustível em suas caldeiras. Emissões do escopo 2 são as indiretas, geradas pela energia adquirida e consumida para iluminação, aquecimento ou refrigeração de edifícios. As emissões do escopo 3 são indiretas e provenientes da cadeia de valor da empresa, ou seja, emissões ligadas à extração e à produção de matéria-prima, logística, uso final dos produtos e gestão de resíduos, bem como as emissões provenientes do deslocamento de funcionários e viagens de negócios.

Tanto na meta de Carbono Neutro como na de Net Zero, nenhum GEE é acrescentado à atmosfera pela empresa. O que os diferencia é que a neutralidade envolve as emissões relativas aos escopos 1 e 2, enquanto Net Zero abrange também o escopo 3, que é o mais desafiador de gerenciar. Em ambos os casos, Carbono Neutro ou Net Zero, as estratégias podem ser orientadas para a eliminação das emissões, para a compensação delas ou para uma mistura das duas.

Para muitas empresas, as emissões de escopo 3 representam mais de 70% da pegada de carbono, podendo chegar a até 90%. Portanto, não podem ser ignoradas. Além disso, o mercado financeiro tem exigido padrões e certificações que incluem o reporte de escopo 3. A Science Based Targets Initiative (SBTi), por exemplo, é uma entidade que auxilia as empresas no processo de elaboração de metas e planos de descarbonização, com critérios e verificação baseados em ciência. A iniciativa exige que as empresas tenham metas para redução de emissões do escopo 3 quando esse escopo representar mais de 40% de suas emissões combinadas. Por outro lado, essas são emissões sobre as quais as empresas não têm controle e gestão direta. Por exemplo, como uma empresa pode controlar o tipo de energia do refrigerador que o consumidor vai usar para acondicionar o alimento que ela vende? Isso demanda um complexo e custoso processo de obtenção de dados.

Dados os desafios de implementar especialmente estratégias para o alcance do Net Zero, algumas empresas têm se comprometido com Carbono Neutro e Net Zero para 2030 e 2050, respectivamente, porém sem indicar claramente como chegarão lá.

Por isso, é importante entender se o comprometimento da empresa está baseado num inventário completo de emissões. O inventário permite mapear as fontes de emissão e quantificá-las, o que ajuda na definição dos projetos de redução, bem como no monitoramento dos resultados. Adicionalmente, é importante entender se a empresa usa algum padrão confiável tal como SBTi.

Como os prazos para alcance de Carbono Neutro ou Net Zero são longos, é crucial que as empresas tenham cronogramas claros de curto e médio prazo, com metas intermediárias. Muitas empresas não deixam claro quais são suas metas para cada tipo de emissão e como elas são distribuídas na estrutura da organização, ou seja, quem são os responsáveis por elas. Em princípio, essas metas deveriam estar sob a responsabilidade do CEO e do Conselho, que têm o dever fiduciário para perenizar a empresa no longo prazo.

Outro ponto central é entender se a empresa tem metas de reduzir suas emissões ou se a estratégia se baseia principalmente na compra de créditos para compensação. As compensações são importantes cobrir as emissões residuais que são difíceis de eliminar. Porém, deveriam ser estratégia de curto prazo, já que o custo da tecnologia limpa ainda é alto. Reduzir emissões é mais sustentável que compensar. O ideal é que as empresas tenham o comprometimento de chegar perto do zero mudando as suas operações e modelos de negócios. Isso pode ser feito, por exemplo, por meio da substituição de combustível fóssil por energia renovável e da criação de produtos e serviços mais sustentáveis, alinhados com o conceito de Soluções Baseadas na Natureza.

Transparência, transparência, transparência. Apesar do comprometimento com SBTi ser a boa prática, a transparência é limitada. Por isso, um modelo para mensuração e reporte (público) está sendo desenvolvido com previsão de ser lançado na COP28. Isso garantirá mais transparência, além de permitir comparações ao longo do tempo e entre diferentes empresas. Como a jornada é complexa, envolvendo várias partes interessadas e desafios, é importante ser consciente, consistente e coerente. Um discurso honesto sobre limitações e desafios é melhor do que maquiagem verde e disclosure seletivo de informações. A tecnologia e a conectividade nos permitem rapidamente acessar informações para contrapor a prática ao discurso empresarial. Algumas empresas já estão pagando caro pela falta de transparência ou pelas mensagens enganosas em suas estratégias de comunicação de sustentabilidade e ESG.

Sem dúvida os esforços para alcançar Carbono Neutro e Net Zero são muito importantes. No entanto, as estratégias e discursos são majoritariamente ambientais e técnicos. Pouco se sabe sobre como as empresas estão considerando reverter a injustiça climática por meio de estratégias que visam incluir populações e comunidades mais afetadas pelos impactos do clima. Essa conexão perdida entre o técnico e o humano é fundamental para garantirmos inclusão e equidade, mas esse é assunto para outro artigo.



Priscila Borin Claro é professora associada e líder do Núcleo de Sustentabilidade e Negócios do Insper. É mestre em Ciência Ambiental pela Universidade de Wageningen (WUR) e doutora em Administração e Desenvolvimento Sustentável pela Universidade Federal de Lavras

COLUNA PUBLICADA NA FOLHA DE S.PAULO 



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Net zero e carbono neutro: o que são e como avaliar os compromissos das empresas?

Dada a urgente crise climática mundial, verifica-se um aumento do engajamento do setor privado com as estratégias para alcance de Carbono Neutro e Net Zero alinhados com as metas do Acordo de Paris.

Por que é importante o engajamento do setor privado? Segundo o Fórum Econômico Mundial, 50% das emissões globais de dióxido de carbono estão concentradas em 8 cadeias de suprimento: alimentação, construção, moda, bens de consumo (os chamados fast moving, de venda rápida e custo relativamente baixo, como bebidas e alguns produtos de conveniência), eletrônicos, indústria automotiva, serviços profissionais (basicamente consultorias e auditorias, que geram grande pegada de carbono por causa das constantes viagens de deslocamento) e transporte de carga. Portanto, a primeira parte da resposta sobre a importância do engajamento do setor privado tem a ver com sua responsabilidade. O setor privado é responsável por uma parcela significativa do problema.

Em paralelo, pesquisas da GlobeScan mostram que empresas que demoram a agir em relação à crise climática estão mais expostas a riscos socioambientais, reputacionais e financeiros. Por outro lado, as empresas podem direcionar esforços para reverter a crise climática e transformar riscos em oportunidades. Em 2018, 225 das maiores empresas do mundo reportaram a existência de mais de US$ 2 trilhões de oportunidades relacionadas ao clima para bens e serviços de baixo carbono. No ano passado, somente as empresas europeias identificaram US$ 1,4 trilhão de oportunidades — seis vezes mais que o custo para realizá-las. Com os Estados Unidos incentivando a economia verde para ser a maior do mundo, as oportunidades por lá devem ser ainda maiores.

Mas o que significa Carbono Neutro e Net Zero? Antes de definir esses termos é importante relembrar que as fontes de emissões de Gases do Efeito Estufa (GEE) são classificadas em 3 diferentes escopos. Emissões do escopo 1 são geradas diretamente pelas operações da própria empresa. Por exemplo, pela queima de combustível em suas caldeiras. Emissões do escopo 2 são as indiretas, geradas pela energia adquirida e consumida para iluminação, aquecimento ou refrigeração de edifícios. As emissões do escopo 3 são indiretas e provenientes da cadeia de valor da empresa, ou seja, emissões ligadas à extração e à produção de matéria-prima, logística, uso final dos produtos e gestão de resíduos, bem como as emissões provenientes do deslocamento de funcionários e viagens de negócios.

Tanto na meta de Carbono Neutro como na de Net Zero, nenhum GEE é acrescentado à atmosfera pela empresa. O que os diferencia é que a neutralidade envolve as emissões relativas aos escopos 1 e 2, enquanto Net Zero abrange também o escopo 3, que é o mais desafiador de gerenciar. Em ambos os casos, Carbono Neutro ou Net Zero, as estratégias podem ser orientadas para a eliminação das emissões, para a compensação delas ou para uma mistura das duas.

Para muitas empresas, as emissões de escopo 3 representam mais de 70% da pegada de carbono, podendo chegar a até 90%. Portanto, não podem ser ignoradas. Além disso, o mercado financeiro tem exigido padrões e certificações que incluem o reporte de escopo 3. A Science Based Targets Initiative (SBTi), por exemplo, é uma entidade que auxilia as empresas no processo de elaboração de metas e planos de descarbonização, com critérios e verificação baseados em ciência. A iniciativa exige que as empresas tenham metas para redução de emissões do escopo 3 quando esse escopo representar mais de 40% de suas emissões combinadas. Por outro lado, essas são emissões sobre as quais as empresas não têm controle e gestão direta. Por exemplo, como uma empresa pode controlar o tipo de energia do refrigerador que o consumidor vai usar para acondicionar o alimento que ela vende? Isso demanda um complexo e custoso processo de obtenção de dados.

Dados os desafios de implementar especialmente estratégias para o alcance do Net Zero, algumas empresas têm se comprometido com Carbono Neutro e Net Zero para 2030 e 2050, respectivamente, porém sem indicar claramente como chegarão lá.

Por isso, é importante entender se o comprometimento da empresa está baseado num inventário completo de emissões. O inventário permite mapear as fontes de emissão e quantificá-las, o que ajuda na definição dos projetos de redução, bem como no monitoramento dos resultados. Adicionalmente, é importante entender se a empresa usa algum padrão confiável tal como SBTi.

Como os prazos para alcance de Carbono Neutro ou Net Zero são longos, é crucial que as empresas tenham cronogramas claros de curto e médio prazo, com metas intermediárias. Muitas empresas não deixam claro quais são suas metas para cada tipo de emissão e como elas são distribuídas na estrutura da organização, ou seja, quem são os responsáveis por elas. Em princípio, essas metas deveriam estar sob a responsabilidade do CEO e do Conselho, que têm o dever fiduciário para perenizar a empresa no longo prazo.

Outro ponto central é entender se a empresa tem metas de reduzir suas emissões ou se a estratégia se baseia principalmente na compra de créditos para compensação. As compensações são importantes cobrir as emissões residuais que são difíceis de eliminar. Porém, deveriam ser estratégia de curto prazo, já que o custo da tecnologia limpa ainda é alto. Reduzir emissões é mais sustentável que compensar. O ideal é que as empresas tenham o comprometimento de chegar perto do zero mudando as suas operações e modelos de negócios. Isso pode ser feito, por exemplo, por meio da substituição de combustível fóssil por energia renovável e da criação de produtos e serviços mais sustentáveis, alinhados com o conceito de Soluções Baseadas na Natureza.

Transparência, transparência, transparência. Apesar do comprometimento com SBTi ser a boa prática, a transparência é limitada. Por isso, um modelo para mensuração e reporte (público) está sendo desenvolvido com previsão de ser lançado na COP28. Isso garantirá mais transparência, além de permitir comparações ao longo do tempo e entre diferentes empresas. Como a jornada é complexa, envolvendo várias partes interessadas e desafios, é importante ser consciente, consistente e coerente. Um discurso honesto sobre limitações e desafios é melhor do que maquiagem verde e disclosure seletivo de informações. A tecnologia e a conectividade nos permitem rapidamente acessar informações para contrapor a prática ao discurso empresarial. Algumas empresas já estão pagando caro pela falta de transparência ou pelas mensagens enganosas em suas estratégias de comunicação de sustentabilidade e ESG.

Sem dúvida os esforços para alcançar Carbono Neutro e Net Zero são muito importantes. No entanto, as estratégias e discursos são majoritariamente ambientais e técnicos. Pouco se sabe sobre como as empresas estão considerando reverter a injustiça climática por meio de estratégias que visam incluir populações e comunidades mais afetadas pelos impactos do clima. Essa conexão perdida entre o técnico e o humano é fundamental para garantirmos inclusão e equidade, mas esse é assunto para outro artigo.



Priscila Borin Claro é professora associada e líder do Núcleo de Sustentabilidade e Negócios do Insper. É mestre em Ciência Ambiental pela Universidade de Wageningen (WUR) e doutora em Administração e Desenvolvimento Sustentável pela Universidade Federal de Lavras

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