Uma plataforma que vai te ajudar a entender um pouco mais de economia.

A ÚLTIMA MILHA: DISTÂNCIA COTIDIANA ENTRE A FAVELA E A CIDADE

Por Leandro Simões Pongeluppe, Nobuiuki Costa Ito e Sérgio G. Lazzarini são pesquisadores do Insper Metricis Comércio rocinha favela As favelas têm alta importância no tecido urbano brasileiro. Segundo o IBGE, em 2010, cerca de 11,4 milhões de pessoas viviam em favelas concentradas nas principais regiões metropolitanas do país. Apesar de moradores das favelas serem oriundos de estratos de renda mais baixos (em 2013, 78% da população nas favelas pertencia à classe CDE), o volume de comércio e renda movimentado nas favelas é expressivo: R$ 63,2 bilhões, segundo estimativas de 2010.  Ainda assim, um problema crítico que ainda atinge a população das favelas é o alto custo dos produtos e serviços ali ofertados e consumidos. Uma das causas desses maiores preços é o elevado custo de entregar e distribuir produtos e serviços em favelas, devido a problemas de segurança e infraestrutura. Na sua grande maioria, as favelas apresentam vias estreitas e inacessíveis, muitas vezes em áreas íngremes e sem planejamento urbano. Para tentar estimar as dificuldades logísticas em favelas, realizamos um estudo com base em dados de produtos ofertados por empresas de e-commerce. Coletamos dados de preços e prazos de entrega de 10 produtos de diferentes valores e volumetria – por exemplo, geladeiras, móveis, notebooks e smartphones, dentre outros. Para coletar os preços, colocamos foco nas 21 principais favelas brasileiras espalhadas por todas as regiões do país e selecionamos CEPs (entre 1 e 10) no interior de uma favela e no seu entorno imediato. Ou seja, procuramos estimar diferenças de custos de frete e prazo de entrega na “descontinuidade” entre a favela e um bairro vizinho. O objetivo da análise era estimar o efeito adicional que a favela causa nos preços e prazos de entrega. O conjunto de dados foi com a programação de um robô que utilizou 334 CEPs na busca, perfazendo um total de mais de 22 mil registros de preços e prazos. Os resultados da análise apontam que os custos e prazos logísticos de entrega de produtos nas favelas brasileiras são estatisticamente superiores. Esse maior custo e prazo ocorre principalmente no caso de produtos com menor volumetria e menor preço, como artigos de moda, cosméticos e livros. Além disso, como esperado, o impacto no custo e prazo é heterogêneo entre as favelas. Por exemplo, em Paraisópolis – favela vizinha ao bairro do Morumbi, em São Paulo, considerada como de maior facilidade de acesso – os custos e prazos de entrega não são maiores que no seu entorno. Já favelas como a Rocinha, no Rio de Janeiro, a diferença dentro e fora da favela é positiva nos dois indicadores. Não menos importante, descobrimos que as empresas têm estratégias heterogêneas quando lidam com esse segmento. Nossa pesquisa revelou que algumas empresas implementam uma espécie de “subsídio interno”: não cobram preços superiores para entregas em favelas, compensando o maior custo no seu conjunto mais amplo de entregas dentro ou fora do local. Porém, de forma surpreendente, o tempo e o custo adicionais medidos na pesquisa não se mostraram com a magnitude que inicialmente esperávamos. Em geral, o acréscimo de preço de frete foi da ordem de centavos e o tempo de entrega não passou de um dia em nenhuma das 21 favelas brasileiras consideradas na amostra. Uma possível explicação para esta descoberta é que a pesquisa realizada não está considerando o custo de entrega “da última milha”. Algumas empresas, por exemplo, entregam no “pé do moro” e os próprios moradores criam um sistema de distribuição interno. Já outras empresas entregam em algum ponto focal (por exemplo, um centro comunitário) e o morador ali retira o produto. Ainda em outros casos, a entrega para favelas é terceirizada para entregadores autônomos, frequentemente moradores do local. Em algumas entrevistas que realizamos muitos moradores disseram que os produtos chegam na casa de um conhecido ou o transportador faz contato por telefone, marcando um ponto de encontro de fácil acesso para entrega do produto. Esses custos são mais difíceis de serem estimados, uma vez que não existe um mercado organizado e transparente para fazer as entregas na última milha. Porém, é de se esperar que a magnitude desses custos seja relevante. Imagine, por exemplo, carregar morro acima um pesado refrigerador em meio a becos, vielas e obstáculos diversos. Mas é possível que a própria necessidade de resolver problemas logísticos nas favelas gere oportunidades para os moradores. Considere por exemplo o Carteiro Amigo, um sistema de correspondência e entregas internas na favela da Rocinha, substituindo os Correios. Os carteiros, em geral, são membros da própria favela e conhecem bem a geografia e os moradores, facilitando assim a entrega de muitos dos bens adquiridos. Segundo a página da própria empresa, “o Grupo Carteiro Amigo é uma empresa que desde Outubro de 2000 se estabeleceu na comunidade da Rocinha com a finalidade de devolver aos moradores um dos direitos básicos, que é o de receber sua correspondência.” Ainda assim, ainda há muito espaço para se pensar em mecanismos inovadores que reduzam custos logísticos nas favelas. Se essas ineficiências forem mitigadas, espera-se uma redução do preço final pago pelos produtos, gerando ganho de renda direta aos moradores. Além disso, com menores custos logísticos, as empresas encontrarão menores barreiras à sua entrada, contribuindo para um aumento na oferta de produtos e serviços a preços acessíveis. A disseminação das favelas no espaço urbano brasileiro traz a urgência de ações coordenadas entre o setor público, as empresas e as comunidades locais para mobilizar essa importante agenda. * Texto originalmente publicado pelo Arq.Futuro  

Para ficar por dentro do que rola no Por Quê?, clique aqui e assine a nossa Newsletter.

Siga a gente no Facebook e Twitter! Inscreva-se no nosso canal no YouTube! E curta as nossas fotos no Instagram :)

 

Por que as coisas custam caro na favela?

A ÚLTIMA MILHA: DISTÂNCIA COTIDIANA ENTRE A FAVELA E A CIDADE Por Leandro Simões Pongeluppe, Nobuiuki Costa Ito e Sérgio G. Lazzarini são pesquisadores do Insper Metricis Comércio rocinha favela As favelas têm alta importância no tecido urbano brasileiro. Segundo o IBGE, em 2010, cerca de 11,4 milhões de pessoas viviam em favelas concentradas nas principais regiões metropolitanas do país. Apesar de moradores das favelas serem oriundos de estratos de renda mais baixos (em 2013, 78% da população nas favelas pertencia à classe CDE), o volume de comércio e renda movimentado nas favelas é expressivo: R$ 63,2 bilhões, segundo estimativas de 2010.  Ainda assim, um problema crítico que ainda atinge a população das favelas é o alto custo dos produtos e serviços ali ofertados e consumidos. Uma das causas desses maiores preços é o elevado custo de entregar e distribuir produtos e serviços em favelas, devido a problemas de segurança e infraestrutura. Na sua grande maioria, as favelas apresentam vias estreitas e inacessíveis, muitas vezes em áreas íngremes e sem planejamento urbano. Para tentar estimar as dificuldades logísticas em favelas, realizamos um estudo com base em dados de produtos ofertados por empresas de e-commerce. Coletamos dados de preços e prazos de entrega de 10 produtos de diferentes valores e volumetria – por exemplo, geladeiras, móveis, notebooks e smartphones, dentre outros. Para coletar os preços, colocamos foco nas 21 principais favelas brasileiras espalhadas por todas as regiões do país e selecionamos CEPs (entre 1 e 10) no interior de uma favela e no seu entorno imediato. Ou seja, procuramos estimar diferenças de custos de frete e prazo de entrega na “descontinuidade” entre a favela e um bairro vizinho. O objetivo da análise era estimar o efeito adicional que a favela causa nos preços e prazos de entrega. O conjunto de dados foi com a programação de um robô que utilizou 334 CEPs na busca, perfazendo um total de mais de 22 mil registros de preços e prazos. Os resultados da análise apontam que os custos e prazos logísticos de entrega de produtos nas favelas brasileiras são estatisticamente superiores. Esse maior custo e prazo ocorre principalmente no caso de produtos com menor volumetria e menor preço, como artigos de moda, cosméticos e livros. Além disso, como esperado, o impacto no custo e prazo é heterogêneo entre as favelas. Por exemplo, em Paraisópolis – favela vizinha ao bairro do Morumbi, em São Paulo, considerada como de maior facilidade de acesso – os custos e prazos de entrega não são maiores que no seu entorno. Já favelas como a Rocinha, no Rio de Janeiro, a diferença dentro e fora da favela é positiva nos dois indicadores. Não menos importante, descobrimos que as empresas têm estratégias heterogêneas quando lidam com esse segmento. Nossa pesquisa revelou que algumas empresas implementam uma espécie de “subsídio interno”: não cobram preços superiores para entregas em favelas, compensando o maior custo no seu conjunto mais amplo de entregas dentro ou fora do local. Porém, de forma surpreendente, o tempo e o custo adicionais medidos na pesquisa não se mostraram com a magnitude que inicialmente esperávamos. Em geral, o acréscimo de preço de frete foi da ordem de centavos e o tempo de entrega não passou de um dia em nenhuma das 21 favelas brasileiras consideradas na amostra. Uma possível explicação para esta descoberta é que a pesquisa realizada não está considerando o custo de entrega “da última milha”. Algumas empresas, por exemplo, entregam no “pé do moro” e os próprios moradores criam um sistema de distribuição interno. Já outras empresas entregam em algum ponto focal (por exemplo, um centro comunitário) e o morador ali retira o produto. Ainda em outros casos, a entrega para favelas é terceirizada para entregadores autônomos, frequentemente moradores do local. Em algumas entrevistas que realizamos muitos moradores disseram que os produtos chegam na casa de um conhecido ou o transportador faz contato por telefone, marcando um ponto de encontro de fácil acesso para entrega do produto. Esses custos são mais difíceis de serem estimados, uma vez que não existe um mercado organizado e transparente para fazer as entregas na última milha. Porém, é de se esperar que a magnitude desses custos seja relevante. Imagine, por exemplo, carregar morro acima um pesado refrigerador em meio a becos, vielas e obstáculos diversos. Mas é possível que a própria necessidade de resolver problemas logísticos nas favelas gere oportunidades para os moradores. Considere por exemplo o Carteiro Amigo, um sistema de correspondência e entregas internas na favela da Rocinha, substituindo os Correios. Os carteiros, em geral, são membros da própria favela e conhecem bem a geografia e os moradores, facilitando assim a entrega de muitos dos bens adquiridos. Segundo a página da própria empresa, “o Grupo Carteiro Amigo é uma empresa que desde Outubro de 2000 se estabeleceu na comunidade da Rocinha com a finalidade de devolver aos moradores um dos direitos básicos, que é o de receber sua correspondência.” Ainda assim, ainda há muito espaço para se pensar em mecanismos inovadores que reduzam custos logísticos nas favelas. Se essas ineficiências forem mitigadas, espera-se uma redução do preço final pago pelos produtos, gerando ganho de renda direta aos moradores. Além disso, com menores custos logísticos, as empresas encontrarão menores barreiras à sua entrada, contribuindo para um aumento na oferta de produtos e serviços a preços acessíveis. A disseminação das favelas no espaço urbano brasileiro traz a urgência de ações coordenadas entre o setor público, as empresas e as comunidades locais para mobilizar essa importante agenda. * Texto originalmente publicado pelo Arq.Futuro   Para ficar por dentro do que rola no Por Quê?, clique aqui e assine a nossa Newsletter.
Siga a gente no Facebook e Twitter! Inscreva-se no nosso canal no YouTube! E curta as nossas fotos no Instagram :)


 
Para ficar por dentro do que rola no Por Quê?clique aqui e assine a nossa Newsletter.

Siga a gente no Facebook e Twitter!
Inscreva-se no nosso canal no YouTube!
Curta as nossas fotos no Instagram!

O que você achou desse texto?

*Não é necessário cadastro.

Avaliação de quem leu:

Avalie esse texto Não é necessário cadastro

A plataforma Por Quê?Economês em bom português nasceu em 2015, com o objetivo de explicar conceitos básicos de economia e tornar o noticiário econômico acessível ao público não especializado. Acreditamos que o raciocínio econômico é essencial para a compreensão da realidade que nos cerca.

Iniciativa

Bei editora
Usamos cookies por vários motivos, como manter o site do PQ? confiável ​​e seguro, personalizar conteúdo e anúncios,
fornecer recursos de mídia social e analisar como o site é usado. Para maiores informações veja nossa Política de Privacidade.