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Para entender a importância de alinhar interesses climáticos e econômicos no Brasil, primeiro é preciso lembrar que, em discussões sobre aquecimento global e emissões de carbono, estamos falando essencialmente de externalidades.

Em outros textos do Por Quê? explicamos o que são externalidades no contexto da economia ambiental (situações em que decisões de um indivíduo ou firma afetam o coletivo, mas cujo preço não reflete o custo social para os demais).

Atualmente, o mundo encontra-se em uma situação de emergência climática que pode ser entendida como consequência global de diversas escolhas sobre externalidades feitas no passado. É importante fazer aqui um breve parêntese para lembrar que podemos mesmo falar que essa crise climática é atual (e não algo que vai acontecer num futuro distante e que será problema das novas gerações), pois vários efeitos climáticos já começaram aparecer nos últimos anos, como aumento de doenças relacionadas à poluição do ar, declínio da biodiversidade ou maior incidência de eventos extremos relacionados ao clima, como secas e enchentes.

Um economista entende esses eventos extremos como o resultado de um conjunto de atividades econômicas que, no passado, emitiram os gases de efeito estufa na atmosfera, sem que os responsáveis levassem em conta o efeito negativo das emissões, já que não havia custos ou penalidades.

Entender externalidades é muito importante para pensar o Brasil no contexto climático. Ao contrário do que ocorre com países desenvolvidos como os Estados Unidos e os estados-membros da União Europeia, a maior parte das emissões brasileiras não vem de emissões de combustíveis fósseis ou do setor de transporte/energia.

Na verdade, mais de 80% das emissões do Brasil da última década podem ser atribuídas ao setor de mudanças do uso do solo e da terra (como desmatamento) e à agricultura. Atualmente as emissões desse setor colocam o Brasil como o quarto no mundo em ranking de emissão de gases de efeito estufa.¹

Ou seja, decisões do governo brasileiro sobre quanto desmatar ou quanto ser leniente com regras de preservação ambiental têm um impacto global (porque estamos falando de externalidades, e decisões em nível local sobre emissões têm consequências que não ficam restritas a fronteiras geográficas). Isso explica por que nas últimas décadas o Brasil aparece em tamanha evidência no debate climático, e por que tantos olhos se voltam para cá em conferências do clima como a COP.

Certamente, falar sobre a contribuição negativa das emissões de carbono brasileiras para o ecossistema da Terra não é nenhuma novidade. Discussões sobre como evitar uma crise climática de forma global já existem há décadas (são bem mais velhas que a juventude do ativismo ambiental, como Greta Thumberg).

Mas por que então o Brasil e os países que emitem tantos gases não fizeram nada no passado para evitar a situação de emergência climática de hoje? Por que não foram usados mais amplamente os mecanismos para que essas emissões tivessem custos/penalidades, e isso fosse incorporado no cálculo econômico?

Além de permeada por externalidades, a discussão sobre o clima está repleta de trade-offs. Trade-off é uma expressão que os economistas usam bastante, e significa o ato de escolher uma coisa em detrimento de outra. Podemos traduzir como um “perde-e-ganha”.

Vamos imaginar um representante do governo brasileiro no passado decidindo entre incentivar o desmatamento na Amazônia (e, portanto, obter ganhos pela venda de produtos como madeira, pela abertura de campos para agricultura e pastagem etc.) ou criar leis e mecanismos para preservá-la (e assim ter ganhos como biodiversidade, regulagem do clima da terra, entre outros) como um trade-off.

Por um lado, esse representante vê claros benefícios econômicos do desmatamento. Por outro, também pode imaginar que a preservação traria benefícios que, embora não necessariamente diretamente monetizáveis, também são relevantes de um ponto de vista econômico. Esses benefícios, se ignorados, poderiam significar grandes custos monetários no futuro (por exemplo, custos de adaptação climática caso a temperatura da terra ultrapasse um certo limite já que a Amazônia não conseguiria mais fazer seu papel de sequestro de carbono).

Como as consequências de escolher o desenvolvimento econômico não apareceriam no curto prazo, é intuitivo imaginar as decisões do nosso político fictício. Embora extremamente simplificado, esse caso nos ajuda a entender várias decisões do passado e seus efeitos climáticos presentes.

Quando falamos sobre discussões de mitigação hoje (isto é, como evitar que a temperatura da Terra seja maior que o limite apontado por cientistas), as externalidades ainda estão presentes, e os trade-offs também.

Acontece que, atualmente, vemos um movimento novo da sociedade. Uma pressão maior de consumidores por produtos sustentáveis, um aumento do ativismo ambiental relacionado com mudanças climáticas, uma maior cobrança para que países e grandes empresas levem em conta suas externalidades negativas para o clima, a criação de mercados para externalidades negativas (como créditos de carbono, que foi o tema de outro texto publicado no Por Quê?).

Tudo isso gera uma nova ordem social e provoca um cenário completamente diferente entre os países na hora de se pensar nesses trade-offs entre preservação e desenvolvimento.

No Brasil mesmo, já vemos alguns avanços dessas discussões e questionamentos sobre qual seria o papel do nosso país nessa nova agenda. Há quem veja essa nova ordem (marcada pela demanda por sustentabilidade na produção, por integração entre clima e economia no planejamento governamental e por oferecimento de serviços ecossistêmicos de mitigação climática) como uma oportunidade para recuperação econômica.

O setor privado brasileiro cobra que o governo, então, aposte agora nisso, para que não apenas contorne a crise atual, mas também intensifique suas ações para alcançar o desempenho de outras economias mundiais que investem em empregos verdes, produção circular, créditos de carbono e outras iniciativas como forma de promover mitigação e adaptação às mudanças climáticas.

A questão é: qual vai ser o papel do Brasil agora, diante da crise climática? Continuaremos como uma das maiores economias do mundo que mais emitem, ou daremos esse empurrão (ou “big push”) para a sustentabilidade?


¹ Dados do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG) de 2020.

* Luiza Martins Karpavicius é economista formada pela FEA-USP. Trabalha na área de economia do meio ambiente e dos recursos naturais. É mestre pela Universidade de Copenhague e doutoranda na Universidade de Aarhus, na Dinamarca.


COLUNA PUBLICADA NA FOLHA DE S.PAULO 

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Qual o papel do Brasil na crise climática?

Para entender a importância de alinhar interesses climáticos e econômicos no Brasil, primeiro é preciso lembrar que, em discussões sobre aquecimento global e emissões de carbono, estamos falando essencialmente de externalidades.

Em outros textos do Por Quê? explicamos o que são externalidades no contexto da economia ambiental (situações em que decisões de um indivíduo ou firma afetam o coletivo, mas cujo preço não reflete o custo social para os demais).

Atualmente, o mundo encontra-se em uma situação de emergência climática que pode ser entendida como consequência global de diversas escolhas sobre externalidades feitas no passado. É importante fazer aqui um breve parêntese para lembrar que podemos mesmo falar que essa crise climática é atual (e não algo que vai acontecer num futuro distante e que será problema das novas gerações), pois vários efeitos climáticos já começaram aparecer nos últimos anos, como aumento de doenças relacionadas à poluição do ar, declínio da biodiversidade ou maior incidência de eventos extremos relacionados ao clima, como secas e enchentes.

Um economista entende esses eventos extremos como o resultado de um conjunto de atividades econômicas que, no passado, emitiram os gases de efeito estufa na atmosfera, sem que os responsáveis levassem em conta o efeito negativo das emissões, já que não havia custos ou penalidades.

Entender externalidades é muito importante para pensar o Brasil no contexto climático. Ao contrário do que ocorre com países desenvolvidos como os Estados Unidos e os estados-membros da União Europeia, a maior parte das emissões brasileiras não vem de emissões de combustíveis fósseis ou do setor de transporte/energia.

Na verdade, mais de 80% das emissões do Brasil da última década podem ser atribuídas ao setor de mudanças do uso do solo e da terra (como desmatamento) e à agricultura. Atualmente as emissões desse setor colocam o Brasil como o quarto no mundo em ranking de emissão de gases de efeito estufa.¹

Ou seja, decisões do governo brasileiro sobre quanto desmatar ou quanto ser leniente com regras de preservação ambiental têm um impacto global (porque estamos falando de externalidades, e decisões em nível local sobre emissões têm consequências que não ficam restritas a fronteiras geográficas). Isso explica por que nas últimas décadas o Brasil aparece em tamanha evidência no debate climático, e por que tantos olhos se voltam para cá em conferências do clima como a COP.

Certamente, falar sobre a contribuição negativa das emissões de carbono brasileiras para o ecossistema da Terra não é nenhuma novidade. Discussões sobre como evitar uma crise climática de forma global já existem há décadas (são bem mais velhas que a juventude do ativismo ambiental, como Greta Thumberg).

Mas por que então o Brasil e os países que emitem tantos gases não fizeram nada no passado para evitar a situação de emergência climática de hoje? Por que não foram usados mais amplamente os mecanismos para que essas emissões tivessem custos/penalidades, e isso fosse incorporado no cálculo econômico?

Além de permeada por externalidades, a discussão sobre o clima está repleta de trade-offs. Trade-off é uma expressão que os economistas usam bastante, e significa o ato de escolher uma coisa em detrimento de outra. Podemos traduzir como um “perde-e-ganha”.

Vamos imaginar um representante do governo brasileiro no passado decidindo entre incentivar o desmatamento na Amazônia (e, portanto, obter ganhos pela venda de produtos como madeira, pela abertura de campos para agricultura e pastagem etc.) ou criar leis e mecanismos para preservá-la (e assim ter ganhos como biodiversidade, regulagem do clima da terra, entre outros) como um trade-off.

Por um lado, esse representante vê claros benefícios econômicos do desmatamento. Por outro, também pode imaginar que a preservação traria benefícios que, embora não necessariamente diretamente monetizáveis, também são relevantes de um ponto de vista econômico. Esses benefícios, se ignorados, poderiam significar grandes custos monetários no futuro (por exemplo, custos de adaptação climática caso a temperatura da terra ultrapasse um certo limite já que a Amazônia não conseguiria mais fazer seu papel de sequestro de carbono).

Como as consequências de escolher o desenvolvimento econômico não apareceriam no curto prazo, é intuitivo imaginar as decisões do nosso político fictício. Embora extremamente simplificado, esse caso nos ajuda a entender várias decisões do passado e seus efeitos climáticos presentes.

Quando falamos sobre discussões de mitigação hoje (isto é, como evitar que a temperatura da Terra seja maior que o limite apontado por cientistas), as externalidades ainda estão presentes, e os trade-offs também.

Acontece que, atualmente, vemos um movimento novo da sociedade. Uma pressão maior de consumidores por produtos sustentáveis, um aumento do ativismo ambiental relacionado com mudanças climáticas, uma maior cobrança para que países e grandes empresas levem em conta suas externalidades negativas para o clima, a criação de mercados para externalidades negativas (como créditos de carbono, que foi o tema de outro texto publicado no Por Quê?).

Tudo isso gera uma nova ordem social e provoca um cenário completamente diferente entre os países na hora de se pensar nesses trade-offs entre preservação e desenvolvimento.

No Brasil mesmo, já vemos alguns avanços dessas discussões e questionamentos sobre qual seria o papel do nosso país nessa nova agenda. Há quem veja essa nova ordem (marcada pela demanda por sustentabilidade na produção, por integração entre clima e economia no planejamento governamental e por oferecimento de serviços ecossistêmicos de mitigação climática) como uma oportunidade para recuperação econômica.

O setor privado brasileiro cobra que o governo, então, aposte agora nisso, para que não apenas contorne a crise atual, mas também intensifique suas ações para alcançar o desempenho de outras economias mundiais que investem em empregos verdes, produção circular, créditos de carbono e outras iniciativas como forma de promover mitigação e adaptação às mudanças climáticas.

A questão é: qual vai ser o papel do Brasil agora, diante da crise climática? Continuaremos como uma das maiores economias do mundo que mais emitem, ou daremos esse empurrão (ou “big push”) para a sustentabilidade?


¹ Dados do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG) de 2020.

* Luiza Martins Karpavicius é economista formada pela FEA-USP. Trabalha na área de economia do meio ambiente e dos recursos naturais. É mestre pela Universidade de Copenhague e doutoranda na Universidade de Aarhus, na Dinamarca.


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