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																												De 6 a 18 de novembro, o mundo acompanhou a 27ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP27), realizada no Egito.  Em inglês, COP significa "Conferência das Partes", que em relações internacionais implica genericamente a criação de um comitê após a assinatura de um tratado internacional. Esse comitê é encarregado de tomar decisões combisobre como o tratado é implementado. Existem vários tipos de COP para vários acordos internacionais, tais como as que discutem armas químicas e o combate à desertificação. No entanto, o termo COP passou a ser associado às reuniões do comitê que criou o tratado da Convenção Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climáticas, o United Nations Framework Convention on Climate Change (UNFCCC). O UNFCCC é resultado da Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (CNUMAD), informalmente conhecida como Cúpula da Terra, realizada no Rio de Janeiro em 1992. O tratado firmado em 1994 inicialmente por 154 países tem como objetivo discutir ações de enfrentamento aos desafios globais de mudanças climáticas.

Desde 1995, as reuniões da COP têm sido realizadas (quase) anualmente para discutir como alcançar e monitorar progressos relacionados a alterações do clima. Cada COP é geralmente referida pelo seu número na série, e o país que se torna o presidente da COP é encarregado de organizar a reunião daquele ano. Quaisquer novos acordos que sejam feitos na COP tendem a receber o nome da cidade anfitriã, como, por exemplo, o Acordo de Paris de 2015 ou o Pacto Climático de Glasgow de 2021.

Quem participa das COPs são lideranças políticas, de mercado e da sociedade civil global, dado que as soluções necessárias envolvem mudanças no âmbito de políticas públicas, estratégias empresariais e comportamento do consumidor-cidadão.

Mas o que era esperado da COP27?

De acordo com o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU, as emissões de dióxido de carbono (CO2) precisam ser reduzidas em 45% até 2030, em comparação com os níveis de 2010, para cumprir a meta central do Acordo de Paris de limitar o aumento da temperatura a 1,5°C até o final deste século. Isso é crucial para evitar os piores impactos das mudanças climáticas, incluindo secas mais frequentes e severas, ondas de calor e chuvas. Um relatório publicado pela ONU Mudanças Climáticas antes da COP27 mostra que, embora os países estejam reduzindo as emissões globais de gases do efeito estufa (GEE), os esforços ainda são insuficientes para atingir esse limite.

Assim, um dos principais objetivos da COP27 seria avaliar se os países membros avançaram nas metas definidas na COP26 e discutir a implementação efetiva do Acordo de Paris para reduzir as emissões de gases do efeito estufa (GEE). Desde a COP26, apenas 29 dos 194 países apresentaram planos nacionais mais rigorosos.

Outro objetivo seria aprimorar as ações sobre a adaptação às mudanças climáticas e a mitigação de seus efeitos, tais como redução do desmatamento, reflorestamento, transição energética, adoção de sistemas de alimentação sustentável pelo agronegócio e segurança alimentar.

Na linha de apoio financeiro, além do processo de formalização de um acordo focado em perdas e danos, era esperado que os países desenvolvidos especificassem como garantiriam que o financiamento atendesse em especial os países em desenvolvimento, que geralmente são os que mais sofrem em razão das crises de saúde, energia e alimentos relacionadas ao clima, apesar de serem os menos responsáveis por elas. Isso implicaria maior comprometimento de recursos para iniciativas de adaptação lideradas localmente nesses países, assegurando que eles participassem das decisões de investimento e tivessem acesso a verbas e outros recursos necessários para aumentar sua resiliência.

Finalmente, seria necessário desenvolver os princípios de transparência e accountability para monitoramento e avaliação dos avanços e retrocessos.

Olhando para os resultados, no entanto, me atrevo a dizer que essa foi a COP do impasse e do retrocesso. Sem acordo entre os líderes internacionais, a conferência precisou ser estendida até o dia 19 de novembro. Um dos principais pontos de impasse foi a criação do fundo para compensar perdas e danos dos países mais pobres. Durante duas semanas, o G77 mais a China, o maior grupo de negociação de países em desenvolvimento, com 137 membros representando mais de 5 bilhões de pessoas, permaneceram unidos pela demanda da criação do fundo. Isso apesar da intensa pressão de países como os Estados Unidos, que tentaram bloquear a iniciativa, e de algumas nações da União Europeia que tentaram atrapalhar as negociações com opções diluídas que dividiriam os países em desenvolvimento. Com um dia de atraso, o Fundo de Perdas e Danos foi aprovado, como o primeiro passo de um processo para corrigir a injustiça climática sistêmica. Primeiro passo porque o documento que versa sobre ele é vago, sem definição clara sobre de quanto recurso o fundo necessita, quem precisa pagar e quem é elegível para a compensação. Isso, somado ao fato de que os países ricos já não cumpriram um compromisso anterior de fornecer 100 bilhões do dólares por ano em financiamento aos países em desenvolvimento para projetos relacionados ao clima, reforça que a negociação sobre perdas e danos terá de continuar na próxima COP. Dada a urgência da questão, esperar mais um ano é perder um tempo que não temos para resolver injustiças que vão crescendo a cada ano.

Embora a COP27 tenha abordado as consequências da crise climática, ela não conseguiu abordar sua causa: os combustíveis fósseis. A captura do processo por lobistas do setor impediu um acordo para uma transição justa e equitativa de todos os combustíveis fósseis – carvão, petróleo e gás. A proposta para eliminar gradualmente todos os combustíveis fósseis, não apenas o carvão, não deu em nada, enfraquecendo o compromisso da COP26. Mesmo com a aprovação de acordos para reduzir a emissão de metano, reduzir desmatamento e aumentar o investimento em energia renovável, sem planos para eliminação gradual dos combustíveis fósseis corremos o risco de violar o limite de 1,5°C. O acordo da COP27, denominado Plano de Implementação Sharm el-Sheikh apenas garantiu de forma acanhada uma limitação (e não eliminação) das causas das alterações climáticas, a queima de combustíveis fósseis. Apesar de inúmeros compromissos, as emissões globais têm alcançado níveis recordes, evidenciando que discursos estão dissociados de ações concretas. Os detalhes críticos sobre como os países devem cumprir seus compromissos, com transparência e accountability também não foram resolvidos.

O problema inerente às negociações climáticas internacionais é que limitar o aumento das temperaturas globais exige que todos os países responsáveis ajam de forma rápida e agressiva para atacar as causas desse aumento, mas nenhum ator pode forçar o outro a fazer nada. Os compromissos para reduzir as emissões são autodefinidos pelos próprios países e as regras em torno do cumprimento dessas metas são estabelecidas por consenso, de modo que todos, desde os grandes produtores de petróleo até os países que perdem terras devido ao aumento do nível do mar, têm de concordar – esse tem sido o papel das COPs. De nada adianta os países que sofrem com a elevação do nível do mar concordarem em compromissos mais agressivos se os demais países, especialmente o que são mais responsáveis pelas emissões, não concordarem. Isso está relacionado ao conceito de Tragédia dos Comuns, explorado por Hardin em 1968. No longo prazo, todos perdem.

Se em nível global reinaram impasses e retrocessos, talvez o maior avanço da COP27 seja, para nós brasileiros, a intenção do novo governo de assumir um papel de liderança na agenda do clima, da biodiversidade, da redução das desigualdades e do combate à fome. Voltamos ao jogo da diplomacia ambiental, reconhecendo nossa culpa e propondo ser parte da solução necessária para voltarmos a crescer com desenvolvimento sustentável. É importante prestar especial atenção para os compromissos assumidos em relação às florestas e ao metano. No entanto, intenções não serão o bastante: será necessária uma governança climática integrada à retomada econômica. Mas este é assunto para o meu próximo texto.


COLUNA PUBLICADA NA FOLHA DE S. PAULO
 

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COP27: mais compromissos rasos ou ações concretas?

De 6 a 18 de novembro, o mundo acompanhou a 27ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP27), realizada no Egito. Em inglês, COP significa "Conferência das Partes", que em relações internacionais implica genericamente a criação de um comitê após a assinatura de um tratado internacional. Esse comitê é encarregado de tomar decisões combisobre como o tratado é implementado. Existem vários tipos de COP para vários acordos internacionais, tais como as que discutem armas químicas e o combate à desertificação. No entanto, o termo COP passou a ser associado às reuniões do comitê que criou o tratado da Convenção Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climáticas, o United Nations Framework Convention on Climate Change (UNFCCC). O UNFCCC é resultado da Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (CNUMAD), informalmente conhecida como Cúpula da Terra, realizada no Rio de Janeiro em 1992. O tratado firmado em 1994 inicialmente por 154 países tem como objetivo discutir ações de enfrentamento aos desafios globais de mudanças climáticas.

Desde 1995, as reuniões da COP têm sido realizadas (quase) anualmente para discutir como alcançar e monitorar progressos relacionados a alterações do clima. Cada COP é geralmente referida pelo seu número na série, e o país que se torna o presidente da COP é encarregado de organizar a reunião daquele ano. Quaisquer novos acordos que sejam feitos na COP tendem a receber o nome da cidade anfitriã, como, por exemplo, o Acordo de Paris de 2015 ou o Pacto Climático de Glasgow de 2021.

Quem participa das COPs são lideranças políticas, de mercado e da sociedade civil global, dado que as soluções necessárias envolvem mudanças no âmbito de políticas públicas, estratégias empresariais e comportamento do consumidor-cidadão.

Mas o que era esperado da COP27?

De acordo com o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU, as emissões de dióxido de carbono (CO2) precisam ser reduzidas em 45% até 2030, em comparação com os níveis de 2010, para cumprir a meta central do Acordo de Paris de limitar o aumento da temperatura a 1,5°C até o final deste século. Isso é crucial para evitar os piores impactos das mudanças climáticas, incluindo secas mais frequentes e severas, ondas de calor e chuvas. Um relatório publicado pela ONU Mudanças Climáticas antes da COP27 mostra que, embora os países estejam reduzindo as emissões globais de gases do efeito estufa (GEE), os esforços ainda são insuficientes para atingir esse limite.

Assim, um dos principais objetivos da COP27 seria avaliar se os países membros avançaram nas metas definidas na COP26 e discutir a implementação efetiva do Acordo de Paris para reduzir as emissões de gases do efeito estufa (GEE). Desde a COP26, apenas 29 dos 194 países apresentaram planos nacionais mais rigorosos.

Outro objetivo seria aprimorar as ações sobre a adaptação às mudanças climáticas e a mitigação de seus efeitos, tais como redução do desmatamento, reflorestamento, transição energética, adoção de sistemas de alimentação sustentável pelo agronegócio e segurança alimentar.

Na linha de apoio financeiro, além do processo de formalização de um acordo focado em perdas e danos, era esperado que os países desenvolvidos especificassem como garantiriam que o financiamento atendesse em especial os países em desenvolvimento, que geralmente são os que mais sofrem em razão das crises de saúde, energia e alimentos relacionadas ao clima, apesar de serem os menos responsáveis por elas. Isso implicaria maior comprometimento de recursos para iniciativas de adaptação lideradas localmente nesses países, assegurando que eles participassem das decisões de investimento e tivessem acesso a verbas e outros recursos necessários para aumentar sua resiliência.

Finalmente, seria necessário desenvolver os princípios de transparência e accountability para monitoramento e avaliação dos avanços e retrocessos.

Olhando para os resultados, no entanto, me atrevo a dizer que essa foi a COP do impasse e do retrocesso. Sem acordo entre os líderes internacionais, a conferência precisou ser estendida até o dia 19 de novembro. Um dos principais pontos de impasse foi a criação do fundo para compensar perdas e danos dos países mais pobres. Durante duas semanas, o G77 mais a China, o maior grupo de negociação de países em desenvolvimento, com 137 membros representando mais de 5 bilhões de pessoas, permaneceram unidos pela demanda da criação do fundo. Isso apesar da intensa pressão de países como os Estados Unidos, que tentaram bloquear a iniciativa, e de algumas nações da União Europeia que tentaram atrapalhar as negociações com opções diluídas que dividiriam os países em desenvolvimento. Com um dia de atraso, o Fundo de Perdas e Danos foi aprovado, como o primeiro passo de um processo para corrigir a injustiça climática sistêmica. Primeiro passo porque o documento que versa sobre ele é vago, sem definição clara sobre de quanto recurso o fundo necessita, quem precisa pagar e quem é elegível para a compensação. Isso, somado ao fato de que os países ricos já não cumpriram um compromisso anterior de fornecer 100 bilhões do dólares por ano em financiamento aos países em desenvolvimento para projetos relacionados ao clima, reforça que a negociação sobre perdas e danos terá de continuar na próxima COP. Dada a urgência da questão, esperar mais um ano é perder um tempo que não temos para resolver injustiças que vão crescendo a cada ano.

Embora a COP27 tenha abordado as consequências da crise climática, ela não conseguiu abordar sua causa: os combustíveis fósseis. A captura do processo por lobistas do setor impediu um acordo para uma transição justa e equitativa de todos os combustíveis fósseis – carvão, petróleo e gás. A proposta para eliminar gradualmente todos os combustíveis fósseis, não apenas o carvão, não deu em nada, enfraquecendo o compromisso da COP26. Mesmo com a aprovação de acordos para reduzir a emissão de metano, reduzir desmatamento e aumentar o investimento em energia renovável, sem planos para eliminação gradual dos combustíveis fósseis corremos o risco de violar o limite de 1,5°C. O acordo da COP27, denominado Plano de Implementação Sharm el-Sheikh apenas garantiu de forma acanhada uma limitação (e não eliminação) das causas das alterações climáticas, a queima de combustíveis fósseis. Apesar de inúmeros compromissos, as emissões globais têm alcançado níveis recordes, evidenciando que discursos estão dissociados de ações concretas. Os detalhes críticos sobre como os países devem cumprir seus compromissos, com transparência e accountability também não foram resolvidos.

O problema inerente às negociações climáticas internacionais é que limitar o aumento das temperaturas globais exige que todos os países responsáveis ajam de forma rápida e agressiva para atacar as causas desse aumento, mas nenhum ator pode forçar o outro a fazer nada. Os compromissos para reduzir as emissões são autodefinidos pelos próprios países e as regras em torno do cumprimento dessas metas são estabelecidas por consenso, de modo que todos, desde os grandes produtores de petróleo até os países que perdem terras devido ao aumento do nível do mar, têm de concordar – esse tem sido o papel das COPs. De nada adianta os países que sofrem com a elevação do nível do mar concordarem em compromissos mais agressivos se os demais países, especialmente o que são mais responsáveis pelas emissões, não concordarem. Isso está relacionado ao conceito de Tragédia dos Comuns, explorado por Hardin em 1968. No longo prazo, todos perdem.

Se em nível global reinaram impasses e retrocessos, talvez o maior avanço da COP27 seja, para nós brasileiros, a intenção do novo governo de assumir um papel de liderança na agenda do clima, da biodiversidade, da redução das desigualdades e do combate à fome. Voltamos ao jogo da diplomacia ambiental, reconhecendo nossa culpa e propondo ser parte da solução necessária para voltarmos a crescer com desenvolvimento sustentável. É importante prestar especial atenção para os compromissos assumidos em relação às florestas e ao metano. No entanto, intenções não serão o bastante: será necessária uma governança climática integrada à retomada econômica. Mas este é assunto para o meu próximo texto.


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